BRASÍLIA e suas ARTES
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A primeira atividade proposta para o semestre 2021.1 (glossário de Brasília) relaciona-se à “cidade de pedra”, a cidade-artefato de matéria. Esta segunda atividade diz respeito à “cidade de carne”, que atribui sentido e significado à primeira. As duas cidades remetem ao título do livro de Richard Sennett [1] e, também, muito particularmente, à leitura sensível de Márcia Metran de Mello sobre Goiânia, publicada em Goiânia, cidade de pedras e de palavras. No caso desta autora, seus estudos dedicam-se ao plano de Attilio Corrêa Lima para a capital de Goiás, explicando sua gênese urbana, e à arquitetura que preencheu, paulatinamente os seus vazios. Completa a materialidade da cidade as representações feitas sobre ela e registradas pela pena de seus cronistas. Note-se, no entanto, que Metran de Mello, [2] ela mesma, cria imagens para a cidade, colhidas de sua memória goianiense, como a que foi dedicada aos seus personagens:
MARIA LOUCA: UMA PERSONAGEM DO CENÁRIO DÉCO
Maria Louca surgia de repente no peristilo do Palácio do Governo, na Praça Cívica, principal reduto déco de Goiânia. Felliniana, esgueirava-se por entre as colunas antes de expor sua figura depauperada nas noites goianienses dos anos sessenta.
Delirante, despenteava-se até incorporar a aparência de uma Medusa. Estava sempre grávida dizia-se dos guardas do palácio, que usavam o seu corpo durante as madrugadas. Apesar de permanentemente gestante, era uma espécie de avesso da “Grande Mãe”: Lilith desnudando o seu ventre profano na lua cheia, acasalando-se incessantemente com a sofreguidão dos viciados, dos desvairados. Louca de amor?
Maria Louca foi esquecida. Mais de trinta anos depois de sua fulgurante aparição não existem registros de sua passagem. Os que ainda a guardam empurram-se aos confins da memória sob o codinome “nojo”, mas que no fundo é puro fascínio diante da transgressão.