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GLOSSÁRIO de IDEIAS RECEBIDAS

SÉCULOS XX e XXI

2020.2

Elane Ribeiro Peixoto
Leandro de Sousa Cruz
Anna Luísa Portela Albano
Daniel Duncan Corso Semple

Glossários são listas de palavras com explicações chamadas glosas. Pode-se dizer que já estavam presentes na Antiguidade, mas seu desenvolvimento e popularidade ocorrem na Idade Média. Como o latim era a língua culta, os glossários eram bilíngues, usando as línguas vernáculas e também o grego. Eram usados mais pelos professores para auxiliar na interpretação de textos e estavam, em geral, integrados a esses, apoiando a explicação do sentido de palavras obscuras. Com o tempo, tornaram-se mais autônomos, organizados segundo ordem alfabética ou com outra forma de sistematização, [1] podendo, inclusive, constituir-se como um conjunto de termos específicos a determinado campo de conhecimento. Recorre-se às posições de Petri e Medeiros: [2]

Os dicionários, os vocabulários, bem como os glossários são lugares de memória na língua [...]. Memória que não se faz sem desvãos, interditos, apagamentos e deslocamentos; memória tensa, tecida na e sobre a língua nos procedimentos tornados prática no fazer dicionarístico [...]. 

[...] [U]m glossário, qualquer que seja, não tem o mesmo estatuto do dicionário: este se apresenta na sociedade como lugar de consulta da língua – monumento de um patrimônio − e, como tal, adentra espaços escolares e institucionais, espaços privados e públicos quaisquer. Já o glossário não se apresenta como tal; outro leitor aí se inscreve. Grosso modo, diremos que se destina a um público mais específico; mais restritos são os seus espaços de circulação. Se um dicionário produz o efeito de completude, diremos que no glossário o efeito é outro, o de parte especial e específica na língua, isto é, o glossário aponta para uma especificidade qualquer, seja de um texto literário, seja de uma região, por exemplo.

Dada a complexidade da produção contemporânea em Arquitetura e Urbanismo, considera-se aqui a variedade de conceitos e a velocidade com a qual eles são apropriados, criticados, esquecidos e supostamente redescobertos. Seja como forma de exploração de um campo ampliado, como estratégia de afirmação de autoridade ou, ainda, de inserção em esferas de poder e de influência, profissionais e pesquisadores fazem o uso recorrente de metáforas, neologismos e empréstimos mais ou menos indevidos de outros campos. O glossário que se propõe elaborar aproxima-se, assim, de um inventário das ideias em trânsito na produção atual, o que nos leva ao famoso "Dicionário das Ideias Feitas" (Dictionnaire des Idées Reçues) de Gustave Flaubert, [3] em que o escritor reuniu e comentou, com perspicácia e muito sarcasmo, um conjunto de jargões, lugares-comuns e ideias socialmente aceitas em seu tempo, como um "[...] manual de etiqueta de conversa da burguesia francesa [...]" [4] no século XIX.
 
Mais recentemente, o tema foi abordado por Enrique Walker [5]numa série de ateliês de projeto e seminários teóricos em que estudantes exploraram ideias que se reproduzem largamente na cultura arquitetônica contemporânea, buscando identificar "[...] aquelas estratégias de projeto que perderam sua intensidade original devido a sua recorrência e aquelas que sobreviveram aos problemas de projeto aos quais se destinavam originalmente. [...]". [6] Com Walker, entende-se que o reconhecimento dos clichês da produção atual serve não apenas para estabelecer um juízo crítico como também para promover sua desestabilização [7] e, possivelmente, apontar caminhos para novas práticas e alternativas. Outra importante referência, das mais relevantes para esta atividade, veio da pesquisa Cronologia do Pensamento Urbanístico, resultado da colaboração entre UFBA, UFRJ, UNEB, UnB, UFMG, Unicamp, UFRGS e USP, que pode ser acompanhada no endereço eletrônico do projeto [8] e na publicação mais recente da Coleção Nebulosas do Pensamento Urbanístico, organizada em três tomos por Margareth da Silva Pereira e Paola Berenstein Jacques. [9]

Para a edição de 2020.2, os estudantes produziram verbetes que ora aprofundam os conteúdos da disciplina, ora apontam para zonas que merecem maior atenção. Cada verbete seguiu uma mesma estrutura: constam de uma citação de referência, na qual, necessariamente, o termo foi empregado; uma ilustração, podendo ser desde uma fotografia a colagens autorais; e o texto do verbete propriamente dito. Mais do que encerrar o assunto, eles servem para instigar a discussão e devem ser vistos como “catalisadores da partida” para novos debates, como no glossário editado por Joan Ockman para o livro The Pragmatist Imagination[10] Para incentivar as relações entre os verbetes, solicitou-se a inclusão de três itens remissivos, chegando-se a uma nebulosa em formação, representada no diagrama em destaque. Em vermelho foram indicados os trabalhos deste semestre, entremeados pelas indicações para futuras pesquisas, formando o que podem ser adensamentos de “pequenas nuvens”, para usar o termo de Margareth Pereira. [11] A ver como elas serão configuradas futuramente, com a chegada dos ventos de novas turmas de Arquitetura e Urbanismo da Atualidade.

Pesquisadores do grupo Cidade Possíveis têm trabalhado, nas disciplinas que ministram na graduação e em atividades de pesquisa, com a formulação de verbetes para glossários e outras obras de referência. Na formulação dos glossários de arquitetura e urbanismo, glosas acompanhadas por desenhos costumam ser muito bem-vindas, dado que a expressão gráfica pode iluminar o que as palavras dizem. A palavra "iluminar" conduz e rememora a prática das iluminuras e nos faz lembrar que, até pouco tempo atrás, quem tinha a nobre habilidade de ilustrar era chamado "iluminador". Além disso, alguns contribuem para publicações dessa natureza em parceria com colegas talentosos na arte de iluminar os textos, caso é o caso do professor Américo Eliel Santana da Silva. 
[12]

notas

[ 1 ]

FARIAS, Emilia Maria Peixoto. Uma breve história do fazer lexicográfico. Revista Científica Trama, Marechal Cândido Rondon, v. 3, n. 5,  p. 89-97, jan./jun. 2007. Disponível em: <http://e-revista. unioeste.br/index.php/trama/article/view/961>. Acesso em: 21 jan. 2021.

[ 2 ]

PETRI, Verli; MEDEIROS, Vanise. Da língua partida: nomenclatura, coleção de vocábulos e glossários brasileiros. Letras: Revista do Programa de Pós-graduação em Letras, Santa Maria, v. 23, n. 46, p. 43-66, jan./jun. 2013. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/ 11725/7156>. Acesso em: 21 jan. 2021.

[ 3 ]

FLAUBERT, Gustave. Dicionário das ideias feitas. In: FLAUBERT, Gustave. Bouvard e Pécuchet. Trad. Marina Appenzeller. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2017. p. 365-382.

[ 4 ]

MESSIAS, Carolina; PINO, Claudia Amigo. Dicionário de ideias aceitas: projeto de tradução. Revista Criação & Crítica, São Paulo, n. VII, p. 61-70, out. 2011. Disponível em: <https://www. revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/46835>. Acesso em: 21 jan. 2021.

[ 5 ]

WALKER, Enrique. Bajo constricción; El diccionario de ideas recibidas. Santiago do Chile: Ediciones ARQ, 2017.

[ 6 ]

Tradução livre do texto em espanhol: "[...] aquellas estrategias de diseño que agotaron su intensidad original debido a la recurrencia, y aquellas que sobrevivieron a los problemas de diseño que originalmente abordaron. [...]". WALKER, Enrique. Ideas recibidas. ARQ, Santiago do Chile, n. 95, p. 92-95, abr. 2017. Disponível em: <https://www.redalyc.org/pdf/375/37550590011.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2017.

[ 7 ]

WALKER, Enrique; NAJLE, Ciro. Out of Time 21/ Enrique Walker. Enrique Walker conversa con Ciro Najle. Columbia University, Nueva York, abril/ mayo 2014. PLOT, Buenos Aires, p. 160-169. jun./ jul. 2014.

[ 8 ]

Ver endereço eletrônico da Cronologia do Pensamento Urbanístico em: http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/ 

[ 9 ]

PEREIRA, Margareth da Silva; JACQUES, Paola Berenstein (org.). Coleção Nebulosas do pensamento urbanístico. 3 vol. Salvador: EDUFBA, 2021. Disponível em: http://www.laboratoriourbano.ufba.br/?publicacoes=colecao | Acesso em: 21 jun. 2021.

[ 10 ]

OCKMAN, Joan (ed.). The pragmatist imagination: thinking about “things in the making”. Nova Iorque: Princeton Architectural Press; Columbia University, 2000.

[ 11 ]

PEREIRA, Margareth da Silva. O rumor das narrativas: a história da arquitetura e do urbanismo do século XX no Brasil como problema historiográfico – notas para uma avaliação. redobra, Salvador, n. 13, p. 201-247, 2014. Disponível em: http://www.redobra.ufba.br/wp-content/uploads/2014/10/RD13_D03_O-rumor-das-narrativas.pdf | Acesso em: 21 jun. 2021.

[ 12 ]

Ver desenhos para a glosa "Modernismo na Arquitetura e Urbanismo", produzida por Elane Ribeiro Peixoto e Américo Eliel da Silva, no endereço eletrônico do grupo de pesquisa Cidades Possíveis: https://www.cidadespossiveis.org/

caixa em mdf

verbetes  -  turma de 2020.2

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