GLOSSÁRIO de BRASÍLIA
CIDADE MODERNA e CONTEMPORÂNEA
2021.1
Elane Ribeiro Peixoto
Leandro de Sousa Cruz
Carolina Moreira Barbosa de Brito
Brasília : Constelações e Arquipélagos
Ainda que os glossários se reconfigurem por aparatos tecnológicos, remodelados por hipertexto e por hiperlinks, preservam características históricas e sociais, porque desempenham função sociocomunicativa, em situações de uso pragmático e se diferenciam uns dos outros, justamente porque, nas interações verbais, os glossários têm a função de fornecer informações consistentes ao leitor. (AGUIAR; FAULSTICH, 2020, grifo das autoras)
O saber/ fazer lexicográfico compreende, entre suas muitas atribuições, a construção de listas de palavras, sejam elas organizadas como dicionários, vocabulários ou glossários e consideradas, ainda, em suas muitas subcategorias. Com relação aos glossários, estima-se que estejam presentes desde a Antiguidade, mas tornaram-se populares a partir da Idade Média, em função de seu emprego por professores, auxiliando-os na interpretação de textos e na explicação do sentido de palavras obscuras para outros leitores e estudantes (PETRI e MEDEIROS, 2013).
Um de seus empregos mais difundidos, atualmente, diz respeito ao agrupamento de termos comuns a determinado campo, ou termos e conceitos mais correntes na obra de determinado autor. Independentemente do caminho percorrido, interessa destacar que os glossários pressupõem uma interação entre seus compiladores e os leitores, como num processo crítico de orientação da leitura. Assim, parece-nos adequado desenvolver a atividade de elaboração de glossários para a disciplina Arquitetura e Urbanismo da Atualidade, não apenas como um registro do que foi produzido a cada semestre, mas, sobretudo, como um registro dos diálogos que foram estabelecidos entre equipe de professores e estudantes.
Solicita-se aos estudantes a criação de um glossário como forma de intervenção crítica sobre a produção contemporânea. Assim realizou-se, na primeira edição, um Glossário de Ideias Recebidas, como um inventário das ideias em trânsito na produção atual, remetendo ao famoso “Dicionário das Ideias Feitas” (Dictionnaire des Idées Reçues) de Gustave Flaubert (2017), em que o escritor reuniu e comentou, com particular acidez, as palavras e os costumes socialmente aceitos em seu tempo. Para a edição do semestre letivo 2021.1 construiu-se este Glossário de Brasília: Cidade Moderna & Contemporânea. Continuamos interessados no trânsito de ideias, o que inclui considerar as suas formas e “condições sociais” de circulação (BOURDIEU, 2002), mas desta vez buscando situar o debate a partir do território da capital federal.
Parte importante do processo de construção deste Glossário de Brasília acaba se perdendo no formato final, mas não foi menos relevante. Estamos nos referindo ao momento em que os grupos de estudantes não apenas escolhem sobre qual termo vão trabalhar, como também precisam entender qual será sua configuração ao final do semestre – para dar apenas um exemplo, bastante elementar, o que se apresentou aos estudantes como demanda de construir verbetes sobre as “cidades-satélites” foi rapidamente adaptado para grupos de verbetes sobre as “Regiões Administrativas” do Distrito Federal. Entender as palavras como elementos vivos na cidade nos remete a uma experiência recente, verdadeiro empreendimento coletivo e transatlântico, que resultou na edição bilíngue em português e espanhol do livro “A aventura das palavras da cidade...”, com verbetes que não apenas instruem e definem termos comuns ao campo, como também buscam atualizá-los e situá-los em relação ao cotidiano de cidades ibero-americanas. De acordo com um dos organizadores da publicação, Christian Topalov, “[...] as palavras não descrevem apenas; elas constituem formas da experiência do mundo e meios de agir nele e sobre ele. [...]” (TOPALOV, 2014, p. 23).
O referido livro é descrito por Christian Topalov mais como um “guia de viagem do que um dicionário”. Assim, nos pareceu interessante nos apropriamos da ilustração Constelação do Distrito Federal, produzida por Ianna Nunes, Pillar Accioly e Roberta Borges para o verbete “Brasília contemporânea” e interpretá-la como um mapa de navegação pela capital, tentando nos aproximar de suas palavras e expressões, elas mesmas intuindo uma movimentação e desafiando qualquer interpretação mais fechada. Ainda com relação à imagem escolhida, ela desafia o sentido mesmo de cidade capital. A fragmentação urbana desta cidade polinucleada e as discrepantes intensidades de ocupação parecem desafiar qualquer esforço de constituir uma unidade territorial. Se a virmos como um arquipélago, no entanto, mantém-se a substância e os atributos de uma capital em sua capacidade de “concentrar”, como se entende a partir da acepção dada por Ana Fernandes a este verbete, em que a autora finaliza refletindo sobre o caso das cidades brasileiras, em que as mudanças históricas das sedes administrativas do poder central dão-nos notícia sobre a relação íntima entre geopolítica e formação de centralidades territoriais.
O substantivo capital designa atualmente um lugar onde se concentram atividades, situações ou características que o colocam em situação de proeminência, enquanto representativo destas condições particulares, frente ao conjunto de outros lugares. Assim, a palavra pode ser utilizada para designar uma cidade dominante em diversos registros, sejam eles administrativos e políticos, sejam eles econômicos ou culturais [...]. (FERNANDES, 2014, p. 155, grifo da autora)
[...] Ela [Brasília] estava ancorada nitidamente em princípios de integração nacional, mas também de geopolítica, particularmente no que se refere ao continente sul-americano. Brasília funda, sem dúvida, uma nova centralidade para o país. (FERNANDES, 2014, p. 162)