glossário
BRASÍLIA TOMBADA
A relação do Plano Piloto com os limites territoriais de preservação. Fonte não identificada.
[...] Outra solução fora pensada por mim e proposta a Lúcio [sic] Costa, que a aceitou: criava-se o instituto jurídico do tombamento de Brasília e tombava-se a cidade de forma inovadora – fixando-se a sua "escala" no essencial, liberando-se as edificações em geral, com exceção dos monumentos excepcionais, para qualquer modificação que não rompesse com a escala em que se inseria. [...] Em 7 capítulos e 16 artigos condensou-se o essencial da única cidade modernista existente por inteiro. [...]
CAMPOFIORITO, Ítalo. Brasília revisitada. Patrimônio: Revista Eletrônica do IPHAN, [S.l.], [201-]. [reprodução do texto de 1989].
Felipe Leal
Gabrielle Seabra
Igor Oliveira
Brasília foi tombada em nível distrital em 1987. O termo “tombamento” foi usado com o objetivo de “preservar de modo a disciplinar sem obstacularizar [sic] o desenvolvimento normal do DF” (GT-BRASÍLIA, 1981 apud SILVA, 2019, p. 63). Brasília ainda era, e é, uma cidade jovem com uma perspectiva de crescimento e de continuidade. Por isso, foi importante que o tombamento respeitasse o projeto de Lucio Costa e não “congelasse” a cidade, acompanhando o desenvolvimento da vida urbana, como prescrevem as modernas teorias da conservação. A Portaria nº 314, de 1992, assim define a poligonal de preservação do Conjunto Urbano de Brasília:
§ 2º - A área abrangida pelo tombamento é delimitada a leste pela orla do Lago Paranoá, a oeste pela Estrada Parque Indústria e Abastecimento – EPIA, ao sul pelo Córrego Vicente Pires e ao norte pelo Córrego Bananal.
[ jan. 2022 ]
remissivos
A preservação de Brasília, com a legislação que amparou sua inscrição, remete a discussões anteriores a seu reconhecimento como Patrimônio Cultural da Humanidade, em 1987, pela UNESCO. As primeiras manifestações em prol da preservação de Brasília datam de sua inauguração, em 21 de abril de 1960 (SILVA, 2019). A primeira legislação a respeito da cidade, Lei Santiago Dantas (Lei nº 3.751, de 13 de abril de 1960), determinou que: “[q]ualquer alteração no plano-piloto, a que obedece a urbanização de Brasília, depende[ria] de autorização em lei federal” (BRASIL, 1960 apud SILVA, 2019, p. 27). Outro apoio veio do presidente Juscelino Kubitschek que acionou o IPHAN, buscando o tombamento como meio mais seguro e superior à lei vigente para proteger a cidade, forçando a interpretação do que à época se considerava como patrimônio. Em uma pesquisa a respeito do tombamento de Brasília, Jéssica Gomes Silva (2019, p. 28) questiona: “[...] haveria a necessidade de tombar uma cidade ainda em plena construção e que sequer contava com o apoio de toda a sociedade para sua efetivação? [...]”.
Em meio a esse percurso, a ideia de considerar a cidade um patrimônio começou a ser defendida pelo grupo GT-Brasília (Grupo de Trabalho para a Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Brasília), entre 1981 e 1988. O grupo registrou, pioneiramente, a opinião dos habitantes do Distrito Federal a respeito do tombamento da cidade, estudou a paisagem e a preservação do cerrado e atribuiu importância às preexistências como um modo de representar e testemunhar o passado. A partir desse último estudo, a Vila Planalto, um dos antigos acampamentos de obras, teve o seu tombamento efetivado, em 1988. A proposta metodológica do grupo seria a de uma preservação dinâmica, na qual é preservado o essencial, de forma que o desenvolvimento da cidade não fosse impedido.
A preservação dinâmica não seria apenas uma nova forma de pensar a preservação de Brasília, mas um resultado das pesquisas realizadas pelo GT com sua metodologia. A proposta do Grupo pautava-se na atuação conjunta das normas de preservação e da legislação de uso e ocupação do solo para a proteção do ambiente urbano. A arquitetura moderna, diferente de casos consagrados de conservação, como foi o caso de Ouro Preto e de outras cidades do ciclo da mineração, enfrentava resistência para sua salvaguarda. Um conjunto de fatores contribuiu para o desafio de preservar a arquitetura moderna, a saber: a falta de afastamento temporal para sua identificação e valorização; questões relacionadas às tecnologias; especificidades do design e de seu contexto social; e a adaptabilidade para novos usos (SILVA, 2019).
O governador José Aparecido entrou em cena com a proposta de candidatura da capital a patrimônio mundial da humanidade junto à UNESCO e delegou ao GT o trabalho de encaminhar a documentação necessária para o reconhecimento de Brasília. A visão do GT-Brasília foi preterida em favor do grupo de Lucio Costa e Ítalo Campofiorito (SILVA, 2019). O desdobramento dessa intenção foi regulamentar a Lei Santiago Dantas (3.751/60) que protegia o Plano Piloto em seu desenho, sem defini-lo em termos físicos nem territoriais, priorizando as escalas monumental, residencial, gregária e bucólica.
A escala monumental confere à cidade o caráter de Capital do país, expressa no Eixo Monumental, que se estende desde a Praça dos Três Poderes até a Rodoferroviária, onde estão localizados os edifícios mais representativos do poder público federal, muitos deles projetados por Oscar Niemeyer. A escala residencial, constituída pelo Eixo Rodoviário e pelas Superquadras com suas Unidades de Vizinhança, foi concebida a fim de proporcionar uma nova maneira de viver, nos blocos de apartamentos em pilotis. No encontro das escalas monumental e residencial, o cruzamento do Eixo Monumental e do Eixo Rodoviário, dá-se a escala gregária. Ela exerce o papel simbólico de centro urbano, com setores bancário, hoteleiro, comercial e de diversões, onde as pessoas poderiam se congregar à procura de cinemas, teatros, bares, entre outros. Aqui, esperava-se que a vida noturna da cidade florescesse, local onde seriam construídos os prédios mais altos. Permeando as outras três escalas, encontra-se a escala bucólica, formada pelas áreas livres e arborizadas.
referências
BARBOSA, Daniela Pereira. O patrimônio de Brasília além do Plano Piloto: uma análise de dossiês de tombamento, 1959-2014. 2021. 352 f., il. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) — Universidade de Brasília, Brasília, 2021. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/42001 | Acesso em: 17 dez. 2021.
CAMPOFIORITO, Ítalo. Brasília revisitada. Patrimônio: Revista Eletrônica do IPHAN, [S.l.], [201-]. [reprodução do texto de 1989]. Disponível em: http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/materia.php?id=101 | Acesso em: 17 dez. 2021.
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida; CAMPOS, Neio. Cidade projetada, construída, tombada e vivenciada: pensando o planejamento urbano em Brasília. In: PAVIANI, Aldo; BARRETO, Frederico Flósculo Pinheiro; FERREIRA, Ignez Costa Barbosa; CIDADE, Lúcia Cony Faria; JATOBÁ, Sérgio Ulisses (org.). Brasília 50 anos: da capital a metrópole. Brasília: Editora UnB, 2010, p. 137-161.
REIS, Carlos Madson; RIBEIRO, Sandra Bernardes; PERPÉTUO, Thiago (org.). GT Brasília: memórias da preservação do patrimônio cultural do Distrito Federal. Brasília: IPHAN, 2016. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/GT%20Brasilia%20miolo%20impressao%20corrigido2_reduzido.pdf | Acesso em: 17 dez. 2021.
SILVA, Jéssica Gomes. O GT-Brasília na trajetória de patrimonialização da capital. 2019. 246 f., il. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) — Universidade de Brasília, Brasília, 2019. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/35314 | Acesso em: 17 dez. 2021.