glossário
CAMPO de REFUGIADOS
Colagem digital de Caroline Barcellos, Júlio César e Michele Pereira
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Atualmente vivemos em um tempo de grande indistinção entre o poder sobre a vida e a morte, de insegurança constante que se manifesta em diversas formas de violência. Para contê-las, a proliferação dos “campos” vem se tornando então a disposição espacial permanente, pois é cada vez mais crescente o descontrole nas fronteiras estatais, onde encontramos numerosos grupos de refugiados vivendo em condições de precarização territorial. Dessa maneira [...] os refugiados ao serem deslocados da relação entre nascimento e nacionalidade, ficam privados de todo o estatuto jurídico e consequentemente dos seus direitos de cidadão
BRAGA, Jorge Luiz Raposo. Os campos de refugiados. In: 3° Encontro Nacional ABRI, São Paulo, 2011. [ p. 14-15 ]
Caroline Porporati Barcellos
Júlio César Ribeiro de Araújo
Michele Pereira de Oliveira
O termo “campo de refugiados” refere-se a espaços que reúnem pessoas deslocadas de seus territórios de origem devido a diversos fatores, tais como: políticos, sociais, naturais e/ ou econômicos. Estes espaços são de caráter emergencial e temporário e deveriam prover os itens necessários para a sobrevivência dessas pessoas.
De acordo com Rogerio Haesbaert (2005), a palavra “território” tem uma acepção ambígua. Na sua raiz, encontram-se os sentidos de terra e terror que conduzem à ideia de domínio pela violência. Porém, o domínio de um território não se reduz aos atos de violência, ele também implica no espaço vivido impregnado com os modos de viver. Enquanto conceito material, o território se relaciona com o poder político, com o seu espaço de acesso sendo controlado, com a posse e a propriedade e diz respeito à multiterritorialidade do território, o fim de suas fronteiras é conhecido por desterritorialização. O conceito de território, em termos culturais, se relaciona com os valores simbólicos e de referência que ancoram seus habitantes e lhes fornecessem bases de ordem cultural.
Ainda segundo Haesbert, a desterritorialização possui quatro grandes vertentes: econômica, política, cultural e filosófica. A perspectiva cultural indica um hibridismo de culturas em uma região e uma possível forma de se construir territórios a partir dessa concepção. A filosófica indica um movimento de fuga, de saída de um território de origem para um território novo. Porém, “todo o movimento de desterritorialização leva concomitantemente a um movimento de reterritorialização” (NOVAS…, 2005). A econômica é caracterizada pela modernidade capitalista da qual indica um processo essencialmente desterritorializador, sendo sinônimo da perda de controle territorial.
Contudo, a principal vertente em relação a campo de refugiados seria a perspectiva política, a qual evidencia uma visão pontual de território. De acordo com Haesbert, o estado está em crise pois suas fronteiras estão em constante mudança e o possível fim delas evidenciaria a desterritorialização contemporânea. Esse debate demonstra uma visão limitada de território que correlaciona este cenário ao do estado nação através da perspectiva de que o único território existente é o território do estado. Para isso, a construção de muros ou cercas eletrificadas nas fronteiras torna-se cada vez mais corriqueira com o intuito de estabelecer uma contenção territorial.
No livro “Viver no Limite”, Haesbaert (2014) define a contenção territorial como os macroprocessos socioeconômicos que acabam destinando aos grupos subalternos os territórios mais vulneráveis da cidade, como as periferias distantes e sem infraestrutura, encostas ecologicamente instáveis e várzeas inundáveis. Tais territórios acabam por ter sua expansão e circulação contidas por muros-barragens.
Esses muros configuram claramente um processo típico de sociedades marcadas pela questão biopolítica da segurança e que propusemos denominar de contenção territorial. As técnicas ou os dispositivos de contenção territorial dirigem-se especialmente para aqueles que são tidos como novas "classes perigosas", pautados pelo discurso da ilegalidade e, em grande parte, também, da "desumanidade". Juntamente e tão importante quanto a adoção de políticas efetivas de integração entre espaços e classes aparece a desestigmatização simbólica de muitos territórios, um trabalho às vezes ainda mais árduo do que aquele de "retomada de território", como veiculado pelos discursos oficiais. (HAESBAERT, 2015, p. 88)
Diante disso, Haesbaert acredita que os dispositivos de contenção territorial e criação de muros-barragens são as materializações de um discurso cujo intuito é validar as políticas excludentes de mobilidade. Os dispositivos que envolvem o cercamento territorial ocasionam diversas questões micropolíticas para os países que optam por eles. Tais discussões resultam em uma reação de resistência por parte da sociedade que busca abolir os processos de contenção dos movimentos de populações.
De acordo com dados fornecidos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), em 2020 existiam, por todo o mundo, mais de 80 milhões de pessoas que foram forçadas a saírem de seus locais de origem por diferentes fatores (THE UN REFUGEE AGENCY, 2021, p. 2). Desses, mais de 20 milhões são considerados refugiados. Em artigo sobre o tema, Jorge Braga explica como foi estabelecida a organização dos campos cujo objetivo é acomodar essas pessoas.
[...] O número de pessoas perseguidas em seus Estados e em fuga aumentou drasticamente a partir da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais, tornando-se um caso de segurança para os Estados que recebiam grandes contingentes de refugiados. A intensificação dessa categoria na população mundial e a recusa de muitos Estados em conceder proteção a essas pessoas levaram a Organização das Nações Unidas (ONU) a institucionalizar o refúgio nas Relações Internacionais. Assim, em 1950 foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) que passou a sistematizar a proteção de tal “grupo social” a partir da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967. [...] (BRAGA, 2011, p. 8)
[ jun. 2022 ]
Entretanto, os campos de refugiados transformaram-se na única forma de moradia das pessoas em busca de condições melhores de vida. Com o passar do tempo, os acampamentos assumiram o papel de cidades informais onde seus habitantes ficaram reféns de uma série de regras rígidas que limitam a sua liberdade. Nesses espaços há falta de itens básicos de sobrevivência, como água e saneamento básico, além da ausência de condições mínimas de saúde e segurança.
Braga (2011, p. 7) associa os campos de refugiados a espaços de exceção, isto porque, segundo ele, esse discurso é reiterado com o rompimento das fronteiras e o desamparo que desestabiliza a sociedade. Sendo assim, a contenção do fluxo desses indivíduos apresenta-se por intermédio desses espaços.
No cenário brasileiro a situação não é muito diferente. De acordo com dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), havia em 2020, mais de 20 mil solicitações de refúgio no país. As principais nacionalidades solicitantes dessa condição são venezuelanos, haitianos e cubanos, que adentraram ao território devido a uma crise humanitária pela qual seus países passam (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA, [2019]).
Para acolher os refugiados que se encontram na fronteira com o estado de Roraima, foram criados 14 abrigos oficiais administrados pelas Forças Armadas e pela Agência da ONU para Refugiados (AGÊNCIA DA ONU PARA REFUGIADOS, 2020). Ainda há a possibilidade dessa população ingressar no programa de interiorização, as pessoas são enviadas para outros estados brasileiros em busca de melhores condições de vida. No entanto, as medidas de acolhimento realizadas no território brasileiro não garantem a aniquilação da situação de vulnerabilidade dessas pessoas, como a ausência de moradia e assistência humanitária básica.
remissivos
referências
AGÊNCIA DA ONU PARA REFUGIADOS. Dados sobre refúgio no Brasil. [S.l.]: ACNUR, 2020. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/dados-sobre-refugio-no-brasil/>. Acesso em: 12 mar. 2022.
BRAGA, Jorge Luiz Raposo. Os campos de refugiados: um exemplo de "espaços de exceção" na política contemporânea. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS (ABRI), 3., 2011, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ABRI, 2011. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/pdf/enabri/n3v2/a36.pdf | Acesso em: 22 jan. 2022.
BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra). Refúgio em números. 6. ed. Brasília: OBMigra; Universidade de Brasília. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2021/06/Refugio_em_Numeros_6a_edicao.pdf | Acesso em: 19 abr. 2022.
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF). Crise migratória venezuelana no Brasil: o trabalho do UNICEF para garantir os direitos das crianças venezuelanas migrantes. [S.l.]: UNICEF, [2019]. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/crise-migratoria-venezuelana-no-brasil | Acesso em: 12 mar. 2022.
HAESBAERT, Rogerio. Território e multiterritorialidade: um debate. GEOgraphia, Niterói, v. 9, n. 17, p. 19-46, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.22409/GEOgraphia2007.v9i17.a13531 | Acesso em: 26 jan. 2022.
HAESBAERT, Rogerio. Sociedades biopolíticas de in-segurança e descontrole dos territórios. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABRI INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS, 1., 2007, Brasília. Anais eletrônicos [...]. Rio de Janeiro: ANPEGE/ Lamparina, 2008.
HAESBAERT, Rogerio. Contenção territorial: “campos” e novos muros. Boletín de Estudios Geográficos, Mendoza, n. 102, p. 24-45, 2014. Disponível em: https://videlarivero.bdigital.uncu.edu.ar/objetos_digitales/6807/003-haesbaert-beg-102.pdf | Acesso em: 26 jan. 2022.
HAESBAERT, Rogerio. Sobre as i-mobilidades do nosso tempo (e das nossas cidades). Mercator: Revista de Geografia da UFC, Fortaleza, v. 14, n. 4, p. 83-92, 2015. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273644811006 | Acesso em: 6 fev. 2022.
HAESBAERT, Rogerio. Entre a contenção e o confinamento dos corpos-território: reflexões geográficas em tempos de pandemia (II). [S.l.]: AGB-Campinas, 24 mar. 2020. Disponível em: http://agbcampinas.com.br/site/2020/rogerio-haesbaert-entre-a-contencao-e-o-confinamento-dos-corpos-territorio-reflexoes-geograficas-em-tempos-de-pandemia-ii/ | Acesso em: 7 fev. 2022.
HARROUK, Christele. Campos de refugiados: de assentamentos temporários a cidades permanentes. Tradução: Vinicius Libardoni. [S.l.]: ArchDaily Brasil, 7 jun. 2020. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/940754/campos-de-refugiados-de-assentamentos-temporarios-a-cidades-permanentes | Acesso em: 15 fev. 2022.
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