glossário
CIDADE MODERNA - CIAMs e CARTA de ATENAS
A Jornada Solar de 24 Horas Ritma a Atividade dos Homens, a partir de Le Corbusier. Montagem dos autores, a partir de desenho de Le Corbusier para a "Carta de Atenas" e foto de apresentação do Plano Voisin.
No Congresso Internacional Preparatório de Arquitetura Moderna, realizado em 1928, em La Sarraz [...] – o I CIAM –, o urbanismo é definido como organização das funções da vida coletiva, que envolve a cidade e o campo, cuja essência é a ordem funcional, já se apontando as três funções-chave da cidade – habitação, trabalho, lazer – a serem articulados pela circulação. Para efetivar esses princípios, o controle do uso do solo, a legislação e a regulação do tráfego são destacados
FELDMAN, Sarah. Um sistema legal para o urbanismo: a face desconhecida do Movimento Moderno. In: GOMES, Marco Aurélio (org.). Urbanismo Modernista no Brasil, 1930-1960. Cadernos PPG-AU/FAUFBA, Salvador, ano 3, n. especial, 2005. p. 73-84. [ p. 74 ]
Caroline Queiroz
Caroline Tanabe
Matheus Lima
[ jan. 2022 ]
remissivos
A criação dos CIAMs (sigla para Congrés Internationaux d’Architecture Moderne, Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) é um marco importante para a formulação e consolidação da arquitetura e do urbanismo modernos. O evento foi patrocinado, inicialmente, por Hélène de Mandrot, a mecenas desse conjunto de atividades, cuja primeira edição aconteceu no Castelo de La Sarraz, na Suíça, em 1928. O congresso buscou reunir e difundir, ao longo de quase três décadas, bases teóricas e experiências construídas do movimento moderno. Assim declarou Mandrot: “[...] o objetivo principal e a finalidade que aqui nos reúne, é articular os diferentes elementos da arquitetura atual em um todo harmônico, e dar à arquitetura um sentido real, social e econômico. A arquitetura deve, portanto, liberar-se da estéril influência das Academias e de suas fórmulas antiquadas.” (MANDROT, [192-?] apud SAMPAIO, 2001, p. 31)
Entre 1928 e 1956, realizaram-se dez edições do congresso. Segundo Kenneth Frampton (2003), os CIAMs podem ser divididos basicamente em três etapas. O primeiro período (1928-1933) foi dominado pelos arquitetos de língua alemã e teve como principal tema a habitação, voltando-se para padrões mínimos dos espaços de vida e racionalização da construção; o segundo período (1933-1947) foi dominado pela presença de Le Corbusier, que deu ênfase, predominantemente, ao planejamento urbano; e num terceiro e último período (1947-1956), com domínio da língua inglesa, formou-se o Team X e priorizou-se a discussão do idealismo liberal. Em diferentes ocasiões, discutiram-se questões normativas e a eficiência nos métodos de produção.
Após a revolução industrial e o êxodo rural, as cidades modernas tiveram enorme aumento populacional, mas o espaço urbano e sua infraestrutura não absorveram adequadamente esse contingente – em parte, devido ao baixo investimento, mas também em decorrência do ineditismo de certos problemas urbanos. Como consequência, as cidades tornaram-se insalubres, facilitando a proliferação de diversas doenças. Higienistas, homens das leis, filantropos entre outros agentes puseram-se a considerar a cidade como objeto de interesse e estudo. Diante desse conturbado processo de expansão das grandes cidades, o manifesto urbanístico “A Carta de Atenas”, planejado originalmente para ser uma carta de Moscou e desenvolvido durante o IV CIAM, sintetiza muitos dos debates que mobilizaram arquitetos e urbanistas no início do século XX.
A Carta apresenta o urbanismo moderno e discute diversos aspectos urbanísticos, como a situação das habitações, circulação, questões de trabalho e lazer. Brasília, capital cujo projeto tem como uma de suas referências a “Carta de Atenas”, traz soluções para considerações presentes no manifesto – a setorização e zoneamento das diversas áreas de uma cidade, o preenchimento de espaços vazios com massa vegetativa e afastamento entre habitação e zonas de circulação e industriais, por exemplo. O objetivo mestre da Carta era, na compreensão dos arquitetos e urbanistas, garantir a melhor qualidade de vida aos habitantes, abarcando o que acreditavam ser o propósito da vida urbana. Entre as distintas e discordantes versões produzidas (LABORATÓRIO URBANO, 2021), trataremos da edição de 1933, publicada por Le Corbusier (1993).
Na “Carta de Atenas” foram estabelecidos parâmetros e diretrizes para a cidade moderna. O entendimento da cidade foi reduzido a quatro funções primordiais, a saber: habitar, trabalhar, circular e recrear-se. Para além disto, Le Corbusier acreditava que o urbanismo moderno deveria garantir a todos o acesso ao sol, ao espaço e à vegetação. Todas essas condicionantes de ocupação do solo objetivariam resolver questões advindas do crescimento industrial, principalmente a insalubridade. No habitar, “O problema da moradia, da habitação, prevalece sobre todos” (LE CORBUSIER, 1993). As habitações devem ter acesso a áreas verdes, incidência solar e boa ventilação, próxima a instituições coletivas que funcionem como prolongamento delas (creches, por exemplo). Referente ao lazer, seria importante destinar-lhe as superfícies livres, que poderiam ser divididas em três categorias: cotidianas, semanais ou anuais, quanto menor a frequência, mais distantes seriam as áreas. Quanto ao trabalho, “as cidades industriais, ao invés de serem concêntricas, tornar-se-ão lineares”, as zonas industriais passariam a ser contíguas a pontos de embarque e desembarque dos produtos, cujo transporte se daria por meio de ferrovias e canais. As distâncias entre locais de trabalho e de habitação deveriam ser reduzidas ao mínimo. Por fim, referente à circulação, “a largura das ruas é insuficiente e procurar alargá-las é quase sempre uma operação onerosa e, além disso, inoperante”, seria necessário dimensionar e planejar as vias de acordo com sua destinação, facilitando circulações contínuas com mudanças de níveis, dando sempre preferência ao pedestre de forma que ele seguisse caminhos diversos e independentes dos automóveis. As distâncias entre as funções deveriam ser as mínimas de forma a exigir menos dos sistemas de circulação.
referências
BARONE, Ana Cláudia Castilho. Team 10: arquitetura como crítica. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2002.
FELDMAN, Sarah. Um sistema legal para o urbanismo: a face desconhecida do Movimento Moderno. In: GOMES, Marco Aurélio (org.). Urbanismo Modernista no Brasil, 1930-1960. Cadernos PPG-AU/ FAUFBA, Salvador, ano 3, n. especial, p. 73-84, 2005. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/ppgau/issue/view/184 | Acesso em: 15 jun. 2012.
FERREIRA, Naiane Conceição; QUEIROZ, Igor. CIAM I (La Sarraz) - Fundação dos CIAM. In: Cronologia do Pensamento Urbanístico. Salvador: FAUFBA, [201-]. Disponível em: https://cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1464 | Acesso em: 15 dez. 2022.
FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. [3. reimp.]. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
LABORATÓRIO URBANO. Fazer por desvios. Nebulosas do pensamento urbanístico em torno do moderno, do popular e da participação: modos de fazer mutantes, errantes, desviantes. In: PEREIRA, Margareth da Silva; JACQUES, Paola Berenstein (org.). Nebulosas do Pensamento Urbanístico, tomo II: modos de fazer. Salvador: EDUFBA, 2019. p. 20-151. Disponível em: http://www.laboratoriourbano.ufba.br/wp-content/uploads/2019/03/002_Nebulosas-do-Pensamento-Urbanistico-Modos-de-fazer-Desvios.pdf | Acesso em: 21 dez. 2021.
LE CORBUSIER. Carta de Atenas. Tradução: Rebeca Scherer. São Paulo: HUCITEC; EDUSP, 1993.
MUMFORD, Eric. The Ciam discourse on urbanism, 1928-1960. Cambridge; Londres: The MIT Press, 2002.
SAMPAIO, Antonio Heliodório Lima. (Outras) Cartas de Atenas: com textos originais. Salvador: Quarteto Editora; PPG-AU; Faculdade de Arquitetura da UFBA, 2001.