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glossário

BRASÍLIA CONSTRUÍDA – ENDEREÇAMENTO

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Brasília e seus endereços. Montagem de Mariana de Melo.

Esquema de eixos e numeração urbana do Plano Piloto. Fonte: blog Vizinhança 406 Norte, editada pelos autores.

Siglas São os símbolos mais visíveis e úteis da extrema (e às vezes irritante) racionalidade de BSB, ela mesma uma sigla. [...] Vou tentar explicar: S é Setor, mas pode ser Sul, Sudoeste ou Samambaia. Q normalmente é Quadra, mas as vezes é só Q mesmo. N é Norte. Ou Nada. C às vezes é Coletivo, Comércio, Clube ou apenas Confuso. SH pode ser Setor de Hotéis, Setor Hospitalar ou ainda Setor de Habitações. [...] Siglas Que Desorientam. EP significa Estrada Parque, mas se você se perder quer dizer “Esqueceu de Perguntar”.

BEHR, Nicolas. BrasíliA-Z: Cidade palavra. 10. ed. Brasília: Teixeira, 2014. [ p. 142, grifo do autor ]

Mariana de Melo Ferreira

Paulo Henrique de Sá Aciole

[ Fig. 1 ]
Mapa de Ceilândia. Fonte: Elaborado pelos autores, a partir do Google Maps.

[ jan. 2022 ]

remissivos

“Brasília é cidade que requer decifração” (FREITAS, 2009, p. 10). Diferentemente de outras metrópoles urbanas, cujas ruas e avenidas homenageiam grandes personalidades históricas locais ou nacionais, em Brasília a formulação dos endereços está fortemente ligada aos princípios do planejamento urbano. A proposta de Lucio Costa gerou uma configuração espacial de forte caráter geométrico e ordenado, com “[...] dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz” (COSTA, 2018, p. 22).

Frequentemente associados à estrutura formal de um avião, tais eixos apontam para os pontos cardeais – Norte, Sul, Leste e Oeste – e, ao se interceptarem, definem um sistema de projeção cartesiana, organizando o espaço territorial em quadrantes, servindo de referência para a numeração e localização geográfica.

O eixo vertical retilíneo, denominado Monumental, é orientado no sentido leste-oeste e divide a cidade em Asa Norte, à sua direita, e Asa Sul, à sua esquerda. Seu perímetro abriga os principais edifícios que compõem a esfera político-administrativa da capital, além de conjuntos destinados a recreação, comércio, cultura, esporte e lazer: Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios, Catedral Metropolitana, Teatro e Biblioteca Nacional, Estádio Mané Garrincha, dentre outros. O eixo horizontal, dito Rodoviário (e popularmente conhecido como “Eixão”) é arqueado por uma necessidade de acomodação à topografia; está orientado no sentido norte-sul, atravessando a cidade e definindo suas porções leste (abaixo deste) e oeste (acima deste). Em sua extensão estão distribuídas as superquadras residenciais, compostas por blocos de apartamentos, blocos comerciais e entrequadras de lazer, onde também há escolas e igrejas.

Quanto à numeração urbana, esta também obedece uma lógica racional: as quadras pares estão dispostas abaixo do Eixo Rodoviário (centenas de 200 a 800); já as quadras ímpares localizam-se imediatamente acima deste (centenas de 100 a 900). As superquadras são enumeradas em unidades que vão de 2 a 16, a partir do Eixo Monumental, nas duas Asas. Em ambos os casos, quanto maior for a distância em relação a tais eixos, maior será a numeração da quadra ou vice-versa, indicada em algarismos de centenas ou unidades. Por fim, os blocos corporativos, comerciais ou residenciais são identificados por letras; no caso das superquadras, os edifícios são nomeados em ordem alfabética, avançando da letra “A” até, na maioria dos casos, a letra “K”.

Fruto do racionalismo modernista, Brasília apresenta um zoneamento monofuncional bem definido (LEITÃO, 2009), onde cada parcela do solo urbano se destina a um uso especifico e cada setor é denominado conforme a natureza das atividades que nele se desenvolvem. Assim, as várias siglas que os representam correspondem a uma simples abreviação do seu respectivo nome, por vezes associada a uma referência de posição geográfica, como é o caso do SHN (Setor Hoteleiro Norte), do SBS (Setor Bancário Sul), do SCTS (Setor Cultural Sul), do CLNW (Comércio Local Noroeste) e da SQN (Superquadra Norte).

Assim, na designação dos endereços, as siglas representam uma abreviação direta do respectivo setor; a numeração das quadras indica sua posição em relação aos referidos eixos – e consequentemente a distância do centro urbano; e, por fim, as letras, que correspondem a cada um dos blocos de edifícios comerciais, residenciais ou corporativos. 

Conforme Jusselma Brito (2009), hoje o centro metropolitano de Brasília, mais conhecido como Plano Piloto, concentra a menor parcela de sua população urbana. Em seu processo de crescimento demográfico e expansão territorial, destacam-se as cidades-satélites, criadas com a finalidade de instalar, permanentemente, trabalhadoras e trabalhadores que viviam em ocupações provisórias na época de sua construção. Foram concebidas de “modo articulado e interdependente” com relação ao Plano Piloto, na maioria dos casos mantendo semelhanças com relação a sua organização urbana e no modo de conceber o território (DERNTL, 2018). Assim, a lógica do planejamento repete-se em demais núcleos urbanos do Distrito Federal.

Em Taguatinga, por exemplo, a cidade-satélite se estrutura sob dois eixos viários principais: um de sentido norte-sul, conhecido como Avenida Comercial; e outro de sentido leste-oeste, denominado Avenida Central. A partir desses eixos foram organizados três setores: o Setor Central (ao longo da Avenida Leste-Oeste); o Setor Sul (no trecho sul da Avenida Comercial) e o Setor Norte (no trecho norte da mesma avenida). O endereçamento obedece ao padrão de letras e números: O Setor Norte é subdivido em 12 setores, indicados por letras de “A” a “M”. Assim, neste bairro, os endereços são constituídos por siglas compostas pelas letras “Q” (de “quadra”) – “C” (se for comercial) ou “N” – (de “Norte”) – uma letra de “A” à “M” (conforme o subsetor) + a numeração da respectiva quadra. Caso esteja no Setor Industrial - também localizado no trecho norte - a sigla é o “QI” (de “Quadra Industrial”); no Setor Central o endereço é designado pela letra “C” (de “central”) + o  número da quadra (indo de “1” a “12”). Por fim, o Setor Sul, que abrange o Setor Hoteleiro, o Setor de Oficinas e o Setor de Garagens e Concessionárias de Veículos, contendo 7 subsetores endereçados de “A” à “G” e seguindo a mesma lógica de designação do Setor Norte – apenas substituindo a letra “N” (de “Norte”) por “S” (de “Sul”).

Inaugurada para abrigar moradores transferidos pela Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), Ceilândia é outro exemplo de região administrativa cujo planejamento territorial subsidia a lógica do endereçamento urbano (Fig. 1). Tendo como ponto de partida a Avenida Hélio Prates – que a interliga com Taguatinga – seu núcleo original é constituído por 03 bairros principais: Ceilândia Norte (acima desta avenida), Ceilândia Centro (ao longo de seu perímetro) e Ceilândia Sul (abaixo desta avenida). Estes bairros, por sua vez, estão organizados em subsetores, e os endereços são designados pela letra “Q” (de “quadra”) ou “C” (de “centro”)  ou “EQ” (de “entrequadra”) + “N” (de “Norte”  - já que a cidade-satélite está locada à porção norte de Taguatinga) + a letra do respectivo setor (indo do “M” ao “Q” –  continuando o “alfabeto” iniciado em Taguatinga) + a numeração da quadra (de 1 a 42) e a indicação do conjunto (do “Conjunto A” ao “Conjunto P”). Seu formato – frequentemente associado a um barril – compreende as diversas unidades de vizinhança pela qual se consolidou a proposta de urbanismo: 14 linhas de residências unifamiliares - divididas em duas quadras de 7 linhas – contendo uma entrequadra, em seu centro, composta por edifícios comerciais, institucionais ou corporativos, áreas de lazer, apoio e equipamentos coletivos.

No Plano Piloto e nas cidades-satélites, Brasília evidencia paradigmas do urbanismo rodoviarista (FICHER, 1999). Ao estabelecer eixos e vias principais para circulação de veículos, marca também um conjunto de referências para a localização geográfica e a configuração espacial da cidade, algo que se reflete na designação dos endereços e no próprio zoneamento urbano. Como uma criança que desvenda as iniciais do seu próprio nome, decifrar a “sopa de letrinhas” é o ponto de partida para quem busca compreender a capital.

referências

BEHR, Nicolas. BrasíliA-Z: Cidade palavra. 10. ed. Brasília: Teixeira, 2014. Disponível em: http://www.nicolasbehr.com.br/arquivos/livros/brasiliada_v6_miolo.pdf | Acesso em: 17 dez. 2021.

BRITO, Jusselma Duarte de. De Plano Piloto a metrópole: a mancha urbana de Brasília. 2009. 167 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/3970?mode=full | Acesso em: 17 dez. 2021.

CAMPOS, Thiago de Oliveira. Gestão do território e Planejamento Urbano: o caso de Taguatinga. 2007.  88 f. Monografia (Bacharelado em Geografia) - Universidade de Brasília, Brasília, 2007. Disponível em:  https://bdm.unb.br/handle/10483/19251 | Acesso em: 24 ago. 2021.

COMPANHIA DE PLANEJAMENTO DO DISTRITO FEDERAL (CODEPLAN). Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD): Taguatinga. Brasília: GDF, 2018. Disponível em: http://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/Taguatinga.pdf | Acesso em: 24 ago. 2021.

COSTA, Lucio. Brasília revisitada, 1985-1987: complementação, preservação, adensamento e expansão urbana. In: LEITÃO, Francisco (org.). Brasília 1960-2010: passado, presente e futuro. Brasília: Secretária de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, 2009. p. 69-78. Disponível em: https://biblioteca.cl.df.gov.br/dspace/handle/123456789/1686 | Acesso em: 17 dez. 2021.

COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto de Brasília. 4. ed. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2018. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/lucio_costa_miolo_2018_reimpressao_.pdf | Acesso em: 17 dez. 2021.

DERNTL, Maria Fernanda. Além do plano: a concepção das cidades-satélites de Brasília. Arquitextos, São Paulo, ano 19, n. 221.03, out. 2018. Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/19.221/7150 | Acesso em: 11 out. 2021.

FICHER, Sylvia. Brasília e seu Plano Piloto. In: LEME, Maria Cristina (org.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo: FUPAM e Studio Nobel, 1999. p. 230-239.

FREITAS, Conceição. Só em caso de amor: 100 crônicas para conhecer Brasília. Brasília: LGE, 2009.

LEITÃO, Francisco (org.). Brasília 1960-2010: passado, presente e futuro. Brasília: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, 2009. Disponível em: https://biblioteca.cl.df.gov.br/dspace/handle/123456789/1686 | Acesso em: 17 dez. 2021.

SEVERO, Denise de Sousa. Planejamento urbano no Distrito Federal: o caso de Ceilândia. 2014. 77 f. Monografia (Bacharelado em Geografia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/9826 | Acesso em: 24 ago. 2021.

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