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glossário

ESTRADA-PARQUE

Estrada-Parque-1.png

Estradas-parques no Distrito Federal . Produzido pelos autores, a partir de dados do GeoPortal.

A estrada-parque configura uma paisagem acessível prioritariamente de automóvel, o qual determina uma apreensão específica do conjunto do território, provendo ao observador outros pontos de vista. Böhme [...] ressalta que a busca por uma paisagem a ser contemplada significa atravessá-la. A paisagem percebida na viagem está além da sequência rápida de imagens que estamos em vão tentando capturar.

SILVA, Sued Ferreira da. Paisagens atravessadas: projeto, experiência e cotidiano na Estrada Parque Taguatinga em Brasília. 2018. 296 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – PPG-FAU-UnB, Universidade de Brasília, Brasília, 2018. [ p. 238 ]

Eduardo Jorge Barreto

Fernando Gustavo Dantas Barbosa

Definições Iniciais | As estradas-parques são as principais vias que interligam as regiões administrativas do Distrito Federal. Caracterizadas como percursos de larga escala voltadas para o rodoviarismo, elas cortam os interstícios urbanos em áreas que, antes, eram compostas por vegetação nativa. O entendimento sobre o termo “estrada-parque” costuma ser associado ao de uma via recreativa, como um parque linear, onde o paisagismo e o lazer são tratados com mais ênfase do que suas funções técnicas, a exemplo do transporte. Outro aspecto importante para essa vias reside no fato de que, justamente pelo seu caráter preservacionista, elas se relacionam de forma mais harmônica com o meio ambiente onde são instaladas, sendo que há teóricos que as definem como sendo uma Área de Proteção Ambiental (APA):

[...] [E]sta concepção de Estrada-parque, com a estimulação de todo o potencial da APA e das comunidades locais, e aplicando-se o modelo ecoturístico, os interesses originais ligados à rodovia e ligados à APA passam a fundir-se em uma única e consistente meta de desenvolvimento integrado e de bases ecológica e economicamente sustentáveis. Assim, equacionam-se os conflitos históricos entre a APA e as comunidades do entorno, e reduzem-se as pressões negativas para ambos. (DA-RÉ; ARCARI, 1999 apud SORIANO, 2006, p. 7)

A definição das estradas-parques se aproxima muito das noções de parques modernos, especialmente tendo-se em vista a formulação das parkways nos Estados Unidos, país em que elas são gerenciadas ou pelo Serviço Nacional de Parques (US Park Service) ou localmente, pelos serviços de parques estaduais em conjunto com o respectivo departamento de rodagem. Dados seus atributos paisagísticos e a longa duração deste modelo de via, no caso estadunidense, Marc Dourojeanni avalia que “[a] América Latina e o Brasil, ao não terem adotado as estradas-parque, desperdiçaram uma excelente oportunidade de fomentar o turismo, impulsionar a economia local e de reduzir riscos de acidentes.” (DOUROJEANNI, 2003).

Entende-se que seria de grande importância que mais estradas-parques fossem construídas no Brasil, pois o país possui um grande potencial de ecoturismo. Ainda de acordo com Dourojeanni, isso poderia induzir um maior desenvolvimento econômico local e também poderia reduzir o risco de acidentes. O autor também faz duras críticas às estradas-parques brasileiras que, segundo ele, embora recebam essa nomenclatura, “não reúnam nenhuma característica que mereça esse título”, a exemplo da Estrada-parque Estrutural: “O caso mais patético é o da ‘Estrada-Parque Estrutural’, no Distrito Federal, que só oferece vista sobre enormes favelas e bairros industriais.” (DOUROJEANNI, 2003). Apesar dos exageros e de certo elitismo em sua afirmação, esta crítica permite discutir que a essência da estrada-parque está em seu caráter contemplativo e na conexão com o meio natural, aspectos que faltam em muitas estradas-parques no Brasil. Mas como definir, então, as estradas-parques? Dourojeanni faz uma primeira aproximação:

Em termos concretos, no caso brasileiro, uma Estrada-parque é uma unidade de conservação de uso direto, pois se associa uma estrada, construída com características especialmente adequadas para o turismo, com uma área suficientemente protegida para garantir a qualidade paisagística natural ou tradicional. A proteção do entorno natural pode ser dada pelas APAs ou por outras categorias que não impliquem a posse da terra pelo governo federal ou estadual. (DOUROJEANNI, 2003)

Também poderíamos citar outra definição, de Sued Ferreira Silva e Luciana Saboia, que corrobora bem com a apresentada. A partir de Lauro Leal Silva, as autoras entendem a estrada-parque como uma “[...] tipologia de via que busca a preservação de áreas de interesse ambiental e cultural, um corredor ecológico que garante a apreciação paisagística, o lazer e o turismo em seus percursos. [...] ” (SILVA; SABOIA, 2016, p. 307).

É importante distinguir, na infraestrutura da estrada-parque, dois aspectos estruturantes, quais sejam: a via asfaltada, ou sua matéria, e a dimensão turística. A estrada-parque pode abranger um conjunto de serviços para atingir sua expectativa de entretenimento, como mirantes, restaurantes, hotéis, praças ou pontos de parada e descanso, proporcionando uma experiência para quem passar por ela. Trata-se de um tipo de via que não permite a monotonia; durante seu trajeto ela pode tornar a viagem mais agradável, com suas paisagens naturais (ou não) e conexões com o urbano. Estas vias podem percorrer dezenas de quilômetros, conectando cidades de forma a incentivar a preservação ambiental, a economia e até mesmo o convívio social.

Histórico | De acordo com Philippe Panerai, as vias servem de suporte à urbanização desde as primeiras aglomerações urbanas, sendo determinante em sua forma e estrutura ao garantir os deslocamentos, acessos, atravessamentos e paragens. Para o autor, “[a] força da relação caminho/cidade é de tal ordem que certas cidades parecem ser tão-somente uma sucessão de estradas em torno das quais se organiza o tecido urbano. [...]” (PANERAI, 2006, p. 18). Entendemos que este seja o caso das cidades-jardins, em sua formulação teórica e nas experiências práticas, e das parkways norte-americanas. Nota-se aqui a importância conectiva das estradas-parques, pois os trajetos e rotinas diárias são inevitáveis, todos estamos atrelados a um ciclo de vai e volta, sobe e desce que parece não ter fim. Então por que não usufruir o melhor possível dessas experiências obrigatórias do dia a dia? As vias, talvez especialmente as estradas-parques, praticamente moldam as cidades e seus entornos, transformando-as em uma extensão das nossas vidas. Por isso Walmsley afirma:

[...] Há uma tradição histórica de vias verdes (parques, estradas-parque e sistemas de parques) que moldam as cidades, determinando uma estrutura anteriormente à urbanização. Essa tradição pode ser revivida e, com a redescoberta do espaço público primário, a rua (em todas as suas várias formas possíveis – parques, praças, jardins, pátios, becos, quadras, áreas comuns, blocos de casas em lua crescente, avenidas etc.) poderia, mais uma vez, estruturar as comunidades. [...] (WALMSLEY, 1995, p. 84, tradução nossa)

Mesmo antes da urbanização de matriz rodoviarista, que prevaleceu no desenvolvimento urbano brasileiro, as cidades já eram orientadas em função do traçado de suas vias, conectando espaços, promovendo comunicação dentro do meio urbano, e as estradas-parques vieram pra nos recordar que natureza está presente, que o campo pode estar junto da metrópole. Essa reunião de espaços é vital para as cidades modernas, pois a preservação do natural deve ser incorporada pelos usuários. Mesmo que, paradoxalmente, estejamos falando de caminhos urbanizados com pavimentação sobre o solo, o intuito ainda é a manutenção do verde de seu aspecto natural.

Por outro ponto de vista, a estrada-parque pode promover o crescimento econômico de uma cidade, sem deixar de considerar os aspectos estéticos e socioeconômicos. Ao longo de seu desenvolvimento histórico, as estradas-parques mostram que é possível induzir o desenvolvimento urbano com geração de empregos, oportunidades de investimentos e com a valorização da região ao redor da via. Originalmente, as parkways projetadas nos Estados Unidos já tinham essa visão de desenvolvimento da região, como ocorreu em Boston, no Franklin Park, ou em Kansas City, Atlanta, Dallas, Denver, entre outros casos de cidades que registraram um rápido crescimento durante os anos que se seguiram à Guerra Civil. Muito da inspiração para a transformação dessas cidades veio das exposições europeias e da Feira de Chicago de 1893, que levou as cidades a adotarem o sistema de parques, situação em que as parkways constituíram ferramentas mais que necessárias para o bom desenvolvimento dos planos. Para Walmsley: “A cidade de baixa densidade, policêntrica e espalhada, amarrada por estradas-parques, é um modelo urbano do futuro. [...]” (WALMSLEY, 1995, p. 90, tradução nossa), com uma descrição que nos leva a aproximar este debate em relação à cidade de Brasília, com essas vias que ora circundam, ora cortam e cruzam a capital federal (Fig. 1).

[ Fig. 1 ]
Estradas-parques no Distrito Federal. Fonte: produzido pelos autores, a partir de dados do GeoPortal.

Brasília | A Estrada-parque Taguatinga (EPTG) veio como uma solução para unir cidades e para a conservação ambiental, com a premissa de que, sempre que possível, gerasse conexões sem agredir o meio ambiente (Fig. 2). Porém, ainda que este tipo de via consiga unir os pontos ao longo de seu trajeto, a mesma também causa segregação, formando assim um paradoxo, pois estradas-parque são boas para carros, mas nem sempre acolhem bem o pedestre. Para cidades como Taguatinga, Ceilândia, Vicente Pires, Águas Claras e Guará, que sofreram o efeito de conurbação, a Estrada-parque Taguatinga (EPTG) viabiliza a conexão entre elas, mas, ao mesmo tempo, serve como divisa. Resulta que a EPTG não é uma via acolhedora para pedestres, pois a velocidade permitida é alta, as passarelas de travessia são afastadas e inseguras (Figs. 3 e 4).

[ Fig. 2 ]
EPTG em sua extensão e cidades vizinhas. Fonte: produzido pelos autores, a partir de dados do GeoPortal.

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[ Figs. 3-4 ]
EPTG durante a reforma de expansão da via entre os anos de 2009 a 2019. Fonte: EPTG: 10 ANOS DE CAOS (2009-2019) (2019). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NGVdNdv9qt4 | Acesso em: 16 dez. 2021.

É realmente intrigante que algo criado para conectar cause tanta separação. O drama das ciclovias no Distrito Federal não é exclusividade da EPTG, visto que boa parte das ciclovias existentes na cidade não se conectam e são, por vezes, mal dimensionadas e pavimentadas. Ainda temos muito a melhorar no que se refere à mobilidade urbana. A EPTG pode ser considerada a estrada-parque com maior influência no Distrito: com pouco mais de 11 km de extensão, afeta diretamente mais de 600 mil pessoas. Esta via já foi muito menos circundada por ocupações do que temos hoje. Dois exemplos permitem ilustrar bem essa mudança: na área onde hoje se encontra Vicente Pires havia uma grande alameda de eucaliptos e a região de Águas Claras, que hoje encontra-se muito adensada, possuía mais moradias horizontais do que os altos condomínios verticais que marcam sua paisagem. A EPTG é uma via que pode ser percorrida em aproximadamente 10 minutos de automóvel individual, mas claro, desde que não esteja engarrafada. Utilizando-se do transporte público esse tempo pode extrapolar os 40 minutos, o que chega a ser irônico, pois a bordo de uma bicicleta você levaria quase o mesmo tempo, valendo ressaltar que realizar esse trajeto de bicicleta pode ser bastante inseguro e estressante para o ciclista.

Outra via com grande importância a ser destacada é a Estrada-parque Eixo Rodoviário ou, como é chamada pelos brasilienses, o “Eixão” (Fig. 5). Trata-se de uma via com pouco mais de 13 km de extensão, cobrindo as “asas” de Brasília, Asa Sul e Asa Norte. Da saída norte liga-se a Sobradinho e, da saída sul, chega-se à Candangolândia. O Eixão faz cruzamento com outra via, o Eixo Monumental, atravessando-o por baixo da Rodoviária do Plano Piloto pelo túnel conhecido por “buraco do tatu”. O Eixão é uma via que não possui semáforos ou mesmo passarelas superficiais, mas galerias subterrâneas para travessia de pedestres, porém muitas pessoas se arriscam atravessando a via cruzando suas faixas ao invés de utilizarem as galerias.

O Eixão é a única estrada-parque do Distrito Federal que não é nomeada assim oficialmente, mas por conta seu aspecto e uso: a forma como ela é arborizada, de ambos os lados, e seu papel de integração a levam a ser reconhecida como uma estrada-parque. O Eixão também é bastante utilizado nos finais de semana para atividades ao ar livre, onde várias pessoas usam a via para realizar atividades físicas, piqueniques ou caminhar. A via também recebe diversos eventos como festas e feiras, algo que é muito relevante, pois isso possibilita que empreendedores locais divulgarem seus trabalhos e serviços, desenvolvendo a economia local.

Mas as estradas-parques também podem acolher outra função, como a de controle, sendo este o caso da Estrada-parque Contorno (EPCT), planejada como um “cordão sanitário” para restringir o avanço urbano e possível descaracterização do interior de Brasília. A EPCT e a Estrada-parque Indústria e Abastecimento (EPIA) trabalharam em conjunto como protetoras do projeto urbanístico original da capital, mantendo os demais núcleos afastados, mas garantindo, ao mesmo tempo, acesso viário à capital (Fig. 6).

[ Fig. 5 ]
Estrada-parque Eixo Rodoviário em sua extensão e cidades vizinhas. Fonte: produzido pelos autores, a partir de dados do GeoPortal.

[ Fig. 6 ]
Estrada-parque Contorno (EPCT) em sua extensão e cidades vizinhas. Fonte: produzido pelos autores, a partir de dados do GeoPortal.

[ jan. 2022 ]

remissivos

É notável a grande influência que as estradas-parques exercem sobre uma cidade, pois é praticamente impossível pensar em Brasília sem as suas parkways, suas longas vias, tudo o que se pode ver e conhecer num simples trajeto. Basta imaginar por quantas cidades diferentes você pode passar num curto intervalo de tempo. Numa viagem de pouco mais de 10 minutos você pode ver indústrias, concessionárias, jardins, grandes condomínios horizontais e verticais, passar por pontes e viadutos ou ficar girando em tesourinhas.

Transitar pelas estradas-parques de Brasília é uma boa forma de percorrer rapidamente a cidade e ainda conhecer importantes pontos da região. Brasília tem seu charme e suas peculiaridades; o fato de ela ser uma cidade projetada para abrigar a sede administrativa do Estado brasileiro não a torna uma cidade menos acolhedora. Percorrendo a EPCT é possível passar toda a cidade, ter uma impressão do que é Brasília e, ao transitar pelas outras vias, entender a ligação com suas cidades satélites até perceber, assim, a vital importância das estradas-parques.

referências

DOUROJEANNI, Marc. Estradas-parque, uma oportunidade pouco explorada para o turismo no Brasil. Natureza & Conservação, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 74-77, 2003. [reprodução]. Disponível em: https://www.academia.edu/5403150/Estradas_parque_uma_oportunidade_pouco_explorada_para_o_turismo_no_Brasil | Acesso em: 16 dez. 2021.

PANERAI, Philippe. Análise urbana. Tradução: Francisco Leitão. Brasília: Editora UnB, 2006.

RIBEIRO, Daniela Rodrigues; Lima, Jairo Salim Pinheiro de. Estradas-parque do ponto de vista da infraestrutura de transportes. Periódico Técnico e Científico Cidades Verdes, [S.l.], v. 5, n. 12, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.17271/2317860451220171679 | Acesso em: 16 dez. 2021.

SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO E HABITAÇÃO DO DF. Geoportal. [Plataforma pública com informações cartográficas e urbanísticas do Distrito Federal]. Brasília: SEDUH, [201-]. Disponível em: https://www.geoportal.seduh.df.gov.br/geoportal/ | Acesso em: 16 dez. 2021.

SILVA, Sued Ferreira da. Paisagens atravessadas: projeto, experiência e cotidiano na Estrada Parque Taguatinga em Brasília. 2018. 296 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – PPG-FAU-UnB, Universidade de Brasília, Brasília, 2018. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/32664 | Acesso em: 16 dez. 2021.

SILVA, Sued Ferreira da; SABOIA, Luciana. Paisagens em trânsito: o caso da Estrada-parque Taguatinga. Labor & Engenho, Campinas, v. 10, n. 3, p. 302-312, jul./ set. 2016. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/labore/article/view/8646182 | Acesso em: 16 dez. 2021.

SORIANO, Afranio José Soares. Estrada-parque: proposta para uma definição. 2006. 193 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2006. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/104423 | Acesso em: 16 dez. 2021.

TRICÁRICO, Luciano Torres; OLIVEIRA, Josildete Pereira de; ROSSINI, Diva de Mello; CARVALHO, Débora Ioná. Estradas-parque: um estudo comparativo no intuito de definições para a experiência turística brasileira. RBTUR: Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, [S.l.], v. 6, n. 1, p. 78-94, 21 abr. 2012. Disponível em: https://doi.org/10.7784/rbtur.v6i1.477 | Acesso em: 16 dez. 2021.
WALMSLEY, Anthony. Greenways and the making of urban form. Landscape and Urban Planning, [S.l.], v. 33, n. 1-3, p. 81-127, out. 1995. Disponível em: https://doi.org/10.1016/0169-2046(95)02015-L | Acesso em: 16 dez. 2021.

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