glossário
EXPULSÃO
Colagem digital de Beatriz Farago Eleuterio de Azevedo
Colagem digital de Isabela Ramos de Oliveira
Colagem digital de Victor Henrique Costa Lima
Colagem digital de Beatriz Farago Eleuterio de Azevedo
[...] [Q]uais são os espaços dos expulsos? Eles são invisíveis às medições comuns de nossas economias e nossos estados modernos. Porém deveriam ser tornados conceitualmente visíveis. Quando proliferam as dinâmicas de expulsão, seja na forma da economia contraída da Grécia, das elites predatórias de Angola, do crescimento do número de desempregados a longo prazo ou de encarcerados em prisões com fins lucrativos nos Estados Unidos, o espaço dos expulsos se expande e se torna cada vez mais diferenciado. [...]
SASSEN, Saskia. Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global. Tradução: Angélica Freitas. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz & Terra, 2016. [ p. 263 ]
Beatriz Farago Eleuterio de Azevedo
Isabela Ramos de Oliveira
Victor Henrique Costa Lima
A palavra expulsão, segundo o dicionário Oxford Languages (2022), deriva do latim expulsĭo, -ōnis, e é definida como “ação de lançar com violência, retirada forçada de, extrusão”. O conceito literal da palavra – a ação de retirar forçadamente algo ou alguém para fora de algum lugar – remete a eventos notáveis do cenário geopolítico contemporâneo
O contexto revelado por estes eventos não é o do uso cotidiano da palavra, mas se torna evidente ao observarmos o termo sob a ótica global de relações intercontinentais e das ramificações políticas, econômicas, ambientais e sociais de crises migratórias e de refugiados das últimas décadas. Ao ser analisado sob essa perspectiva, o termo expulsões ganha outro significado e pode ser definido como o ato de afastar, isolar, marginalizar e colocar em uma posição secundária a vida de milhares de indivíduos que vivenciam esse processo
Trata-se, assim, do ato de “lançar com violência, expulsão.” Lançar para onde? Muitas vezes não importa. Quando se trata de pessoas em situação de vulnerabilidade, que assistem seus países, sua cultura, sua família, seu lar, serem deixados para trás, destruídos por guerras, por disputas políticas, por crises econômicas, por catástrofes ambientais. Muitas vezes nem o “quem” nem o “onde” tem verdadeiramente relevância.
O conceito de expulsão, visto sob a ótica geopolítica do século 21, diz respeito à vida de milhares de refugiados e de migrantes que vivem em situações precárias diante da incerteza de conseguirem reconstruir suas vidas, ao serem expulsos de seus lares e verem suas vidas sendo completamente alteradas.
Segundo Célia Toledo Lucena (2019), existem no cenário contemporâneo dois principais grupos de migrantes. O primeiro grupo é composto por aqueles que são forçados a deixar o país de origem devido a guerras urbanas, catástrofes ambientais, pressões políticas ou perseguições religiosas. O segundo grupo consiste naqueles que migram por opção e que, devido ao cenário de globalização da economia e do surgimento de empresas transnacionais com suas ilhas de desenvolvimento e rentabilidade, deslocam-se de países em desenvolvimento para países desenvolvidos em busca de melhor qualidade de vida.
Ao analisar a situação desses dois grupos, em um primeiro momento, somos levados a pensar que o primeiro grupo é o que sofre com as expulsões. Contudo, essa situação é sentida, em um determinado momento, pelos dois grupos. O primeiro, desde o momento da partida, que sofre com a perda de bens e com a marginalização na sociedade de chegada. O segundo, passa a sofrer com processos de expulsão social no novo destino, com muitos dos migrantes ocupando bairros periféricos e executando trabalhos informais e mal remunerados. Outro problema que surge após a chegada dessas populações em seus destinos é a falta de recursos financeiros, visto que muitos dos países em crise econômica e política sofrem com a desvalorização de suas moedas. Consequentemente, os migrantes chegam sem recursos ao novo destino.
Diante desse cenário de expulsões surgem diversas problemáticas, dentre elas uma das maiores é o estado eternamente provisório em que vivem os imigrantes. De acordo com Sayad, citado por Célia Toledo Lucena (2019), a migração é o movimento de pessoas de um país para outro, por um longo tempo ou em caráter definitivo. Não se sabe se é um estado provisório que se prolonga indefinitivamente ou, ao contrário, se trata de um estado mais duradouro vivido com sentimento provisório. O imigrante mantém a ilusão coletiva de um estado que não é provisório nem permanente, ou seja, um provisório que pode durar indefinidamente. O imigrante conquista, então, um lugar duradouro na base da hierarquia social.
Outra questão gerada pelo processo de expulsão é a formação de minorias étnicas que se dá, muitas vezes, não devido a um número pequeno de imigrantes, mas pelo estabelecimento de uma relação de inferioridade diante do grupo étnico hegemônico no país receptor.
Além disso, uma problemática que aflige mais diretamente os imigrantes que são também refugiados é a do paradoxo da "segunda geração“, referindo-se aos filhos dessas pessoas. Esta problemática se dá quando uma criança que nasce em um campo de refugiados não recebe a nacionalidade do país receptor e, tampouco, possui a nacionalidade do país de origem dos pais. Assim, futuramente, essas pessoas podem ser privadas de ter uma carteira de trabalho, um visto de residência ou fazer um pedido de naturalização.
Além disso, outro problema causado pelo estado provisório dos campos de refugiados, cuja política é a de manter todos apenas com o mínimo para a sobrevivência e isolados da sociedade, é a ausência de direitos de cidadania.
[...] Se ali as vítimas são mantidas num mínimo de vida, isto é, segundo normas nutricionais de simples sobrevivência, elas também estão sob controle. [...]
[...] [O]s sítios humanitários situam-se nas margens, afastados dos locais de vida comuns, nos limiares da vida social e da vida, simplesmente. [...] [T]odas essas formas, por diversas que sejam, compõem com os campos de refugiados um conjunto de espaços, hoje em crescimento, para manter refugiados, "clandestinos" e indesejáveis à espera, em sobrevivência e sem direitos. [...] (AGIER, 2006, p. 198-9).
Contudo, apesar de todos esses problemas ocasionados pelo cenário de expulsões, esses fluxos transnacionais de pessoas propiciam vários benefícios à sociedade, dentre os quais podemos destacar o surgimento de sociedades multiculturais. Para Célia Toledo (2019), essas sociedades agrupam diferentes comunidades culturais e tentam construir uma vida em comum, retendo algo de suas identidades originais.
As razões das expulsões no contexto geopolítico global contemporâneo são múltiplas, e podem advir de diversos eventos de impacto ambiental, social e/ ou financeiro. Em anos recentes podem ser citados como exemplos principais as crises de refugiados na Europa e Turquia – causadas por guerras e insurgências terroristas em diversos pontos do Oriente Médio e África – e as diversas crises e controvérsias cercando a fronteira sul dos EUA e seu cruzamento por imigrantes provenientes do México e da América Central.
A crise migratória na Europa se deu a partir de um aumento no tráfego de refugiados e migrantes para países da Europa Ocidental a partir de 2010. A crise atingiu seu ápice em 2015, ano em que foram registrados os maiores números de requerentes de asilo e no qual a mídia internacional expôs em massa a morte do garoto sírio Alan Kurdi. As expulsões relacionadas a esse momento na Europa podem ser atribuídas, em sua maioria, à guerra civil na Síria, à guerra no Afeganistão e à insurgência do grupo terrorista Boko Haram na Nigéria.
Em ambos os casos, a percepção internacional dos eventos e o diálogo midiático dominante se voltou para as consequências econômico-sociais e resposta política aos movimentos migratórios nos países receptores. Pouco ou nenhum espaço é dado ao diálogo a respeito das causas das expulsões dos migrantes e refugiados em seus países de origem – as guerras, crises, calamidades e desastres que assolam esses lugares são tomados como naturais, inevitáveis ou esperados. As regiões atingidas por esses eventos – frequentemente localizadas em parte do Sul Global – são simplesmente classificadas como áreas indesejáveis, dos quais a evasão de habitantes por mera volição é tida como esperada. No entanto, muitos dos fenômenos causadores de migrações nesses países podem ser encarados como consequências diretas de atitudes neocolonialistas e neoimperialistas dos países do Norte Global, tomadas para sustentar ou expandir o sistema financeiro e cultural globalista neoliberal imposto como forma de relação internacional dominante a partir da segunda metade do século XX. Como analisado por Zygmunt Bauman (2016), em uma entrevista a respeito da crise europeia de 2015:
Na era moderna, migrações em massa não são uma novidade, nem um evento esporádico. São, de fato, um efeito constante e regular do modo moderno de vida, com sua preocupação perpétua com estabelecimento de ordem e progresso econômico. Estas duas qualidades em particular agem como fábricas interminavelmente capazes de produzir “pessoas redundantes” – aquelas que não são empregáveis localmente ou que são politicamente intoleráveis, e são, logo, forçadas a procurar abrigo ou oportunidades mais promissoras de vida longe de suas casas. (BAUMAN, 2016, tradução nossa).
[ jun. 2022 ]
Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)
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remissivos
referências
AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tradução: Paulo Neves. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 197-215. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-20702006000200010 | Acesso em: 22 jan. 2022.
BAUMAN, Zygmunt. The Refugee Crisis Is Humanity's Crisis. [Entrevista concedida a] Brad Evans. The New York Times, Nova Iorque, maio de 2016. Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/05/02/opinion/the-refugee-crisis-is-humanitys-crisis.html. Acesso em: 23 de março de 2022.
EXPULSÃO. In: Oxford Languages. Oxford: Oxford University Press, 2022; Disponível em: https://archive.is/ZvBdh. Acesso em: 20 abr. 2022
LUCENA, Célia Toledo. Migrações contemporâneas e impasses identitários: algumas teorias e conceitos. Cadernos CERU, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 19-49, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2595-2536.v30i1p19-49 | Acesso em: 22 jan. 2022.
SASSEN, Saskia. Expulsions: brutality and complexity in the global economy. Cambridge; Londres: The Belknap Press of Harvard University Press, 2014.
SASSEN, Saskia. Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global. Tradução: Angélica Freitas. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz & Terra, 2016.