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glossário

GAIA

Chamo Gaia de um sistema fisiológico porque parece dotada de objetivo inconsciente de regular o clima e a química em um estado confortável para a vida. Seus objetivos não são pontos fixos, mas ajustáveis a qualquer meio ambiente atual e adaptáveis às formas de vida que mantenha. [...] [P]recisamos conhecer a verdadeira natureza da Terra, imaginando-a como o maior ser vivo do sistema solar, e não algo inanimado como a infame “Espaçonave Terra”.

LOVELOCK, James. A vingança de Gaia. Tradução: Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020. [ p. 27-28 ]

Cecilia Pizutti Miranda

João Victor Brentano Nascimento

Mariana Verdolin dos Santos

[ jun. 2022 ]

remissivos

Gaia é um termo polissêmico que remonta à mitologia grega, porém, esse mito se apresenta em diversas culturas com o significado de “mãe-terra”, englobando uma visão holística do planeta Terra. Na mitologia grega, Gaia (também conhecida como Géia ou Gê) é a Terra. Ela nasceu depois do Caos, representação da vida anterior à criação, sem intervenção masculina, é a função materna. Foi a partir da Terra-Mãe que se gerou Urano, o Céu, as Montanhas e o Mar.

A união de Gaia e Urano gerou os deuses, titãs e alguns seres monstruosos, que Urano impedia que viessem à luz, obrigando-os a viver nas profundezas da Terra, o Tártaro. Gaia, com intuito de libertá-los, recorreu aos seus primeiros filhos, os titãs. Porém, apenas Crono a ajudou e elaborou um plano para extinguir o poder tirânico de Urano. Segundo a mitologia, Crono mutila o pai, enquanto Gaia comemora o fim da opressão em que vivia.

Com base no mito de Gaia, observa-se que ela suporta as ações de Urano mostrando virtudes como doçura, submissão, firmeza e humildade. É por ela que Urano é gerado e por causa dela, há a concessão e retomada de vida. Segundo Junito Brandão (1986, p. 185), ela é a guardiã da semente e da vida, a morte é necessária para que haja o renascimento e uma vida nova e fecunda. O autor assimila a Terra como símbolo de fecundidade e regeneração. É a partir dessa interpretação mítica de Gaia, a detentora dos destinos e da vida, que James Lovelock cria a Teoria de Gaia.

A Teoria de Gaia concebe a Terra como um conjunto autorregulado gestado pelos organismos vivos. Os sistemas que integram o planeta, divididos artificialmente pela ciência em: litosfera, atmosfera, hidrosfera e biosfera operam como sistema uno. James Lovelock formula essa teoria em meados da década de 1960, em sintonia com movimentos de contracultura e da corrida espacial. A teoria toma corpo pela ponderação acerca da interligação entre os fatores biológicos e as constantes que mantêm as condições de vida terrestre: como o clima, que é influenciado pela porcentagem de gases e a pressão atmosférica.

A hipótese de Gaia como um ser uno segue avançando, inicialmente ela era restrita às atmosferas, no estudo daquelas de Marte e Vênus, se os compostos atmosféricos estivessem perto do equilíbrio químico esses planetas teriam vida insipiente. Em casos como o do planeta Terra de biodiversidade abundante, os seres vivos estão em constante troca com o ambiente e o ambiente reciprocamente troca com os seres promovendo um desequilíbrio químico, a teoria propõe essa inconstância como equilíbrio dinâmico mediado pelo planeta. Tal mecanismo poderia relacionar as condições biológicas às condições climáticas.

Ailton Krenak aponta que a maioria das culturas antigas deixaram como herança histórica para nossa civilização a visão da Terra como uma Mãe provedora, sinônimo de beleza e fartura (KRENAK, 2020, p. 61). Na sociedade globalizada esse conhecimento foi interpretado como a ideia de que a Terra é a maior fonte de subsídios que temos para a manutenção de nossas vidas. Logo, no mundo atual onde tudo é tratado como mercadoria, o impacto que a vida humana causa no planeta não é resultado da gratidão de um filho por sua mãe que em tudo lhe ampara, mas a de um explorador que toma para si tudo o que dela consegue extrair.

O autor explica que essa diferença na relação entre o homem e a Terra se dá devido aos avanços tecnológicos que nos permitiram movimentar pelo mundo com mais facilidade. Ao nos afastarmos de forma tão drástica de nossos locais de origem perdemos a noção de que pertencemos a um grupo e nos desresponsabilizamos de uma ética que possa ser compartilhada. Ética essa que permitiu às culturas antigas ter a percepção da importância de preservar a Terra para que humanos e não-humanos possam continuar a existir. Ao despersonalizar o rio, a montanha, permitimos que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista (KRENAK, 2020, p. 49).

Se mantermos esse vínculo que estabelecemos com a Terra no qual nosso papel é o do explorador e extraímos dela tudo aquilo que precisamos para manter nossa sobrevivência, chegará o momento em que ela não poderá mais sustentar nossa existência e seus recursos irão extinguir. O fim do mundo é um episódio que está em constante acontecimento, é um evento cíclico como explica Brandão (1986). Dessa forma, Krenak diz que o que nos resta não é tentar evitar a queda da existência humana, mas sim utilizar dos recursos tecnológicos que temos para criar paraquedas que desacelerem a queda e a tornem menos drástica.

referências

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega, vol. 1. Petrópolis: Vozes, 1986.

CORCOVIA, Priscila Aparecida; RADINO, Glória. Os filhos de Gaia e o Paraíso Edípico. Revista de Psicologia da UNESP, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 13-13, 2008. Disponível em: https://seer.assis.unesp.br/index.php/psicologia/article/view/974 | Acesso em: 18 abr. 2022.

KRENAK. Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

LAVELLE, Patricia. Poesia, mito e filosofia: uma leitura insistente de Orides Fontela. Alea: Estudos Neolatinos, Rio de Janeiro v. 21, n. 2, p. 207-218, 2019. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/alea/article/view/27450 | Acesso em: 18 abr. 2022.

LOVELOCK, James. Gaia, alerta final. Tradução: Vera de Paula Assis; Jesus de Paula Assis. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.

LOVELOCK, James. A vingança de Gaia. Tradução: Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

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