glossário
NECROPOLÍTICA
Colagem digital de Sophia de Souza Farias
Colagem digital de Luiza Faria Machado Castelo Branco
Colagem digital de Isadora de Almeida Furtado
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[...] Tentei demonstrar que a noção de biopoder é insuficiente para dar conta das formas contemporâneas de submissão da vida ao poder da morte. Além disso, propus a noção de necropolítica e de necropoder para dar conta das várias maneiras pelas quais, em nosso mundo contemporâneo, as armas de fogo são dispostas com o objetivo de provocar a destruição máxima de pessoas e criar “mundos de morte”, formas únicas e novas de existência social nas quais vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o estatuto de “mortos-vivos”. [...]
MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. Tradução: Renata Santini. São Paulo: n-1 edições, 2018. [ p. 71 ]
Isadora de Almeida Furtado
Luiza Faria Machado Castelo Branco
Sophia de Souza Farias
[ jun. 2022 ]
Necropolítica é um termo criado pelo filósofo Achille Mbembe, em 2003, em livro homônimo e aprofundado pelo mesmo autor em 2016, no livro “Políticas da Inimizade”. A justaposição entre os termos “necro” e “política” conformam o conceito que aborda formas de dominação contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte. A Academia Brasileira de Letras reconhece o termo e sua autoria, definindo-o como “uso do poder político e social, especialmente por parte do Estado, de forma a determinar, por meio de ações ou omissões, [...] quem pode permanecer vivo ou deve morrer.” (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, 2021). Embora de acepção rápida, devido a sua justaposição eloquente, Necropolítica é um conceito denso, envolvido em uma trama teórica com aportes de diversas áreas, como a ciência política, filosofia, história e geografia. O termo nasce, principalmente, a partir da compreensão dos conceitos de biopoder, soberania e estado de exceção quando enxergados pelas lentes da experiência colonial.
O conceito de biopoder é o ponto de partida para a construção teórica de Mbembe. O biopoder foi teorizado por Michel Foucault nos anos de 1970, um filósofo que construiu seu corpo de trabalho em torno de discussões sobre as dinâmicas de poder e análises das formas de dominação presentes na modernidade. No livro “Em defesa da sociedade”, ele expõe o racismo de Estado institucionalizado nos estados contemporâneos em busca de compartimentalizar as pessoas de acordo com a “raça”, isto é, para facilitar o controle de corpos específicos. O biopoder é, para Foucault, o exercício de um “velho direito soberano de matar” (FOUCAULT apud MBEMBE, 2018, p. 18). O estado inerentemente racista irá desenhar a separação dos grupos sociais que terão sua vida promovida ou descuidada.
Achille Mbembe recorre à história para argumentar as relações de biopoder e necropolítica, discorrendo sobre os momentos durante os quais a morte foi uma estrutura do poder de Estado. Neste percurso, o autor reflete a partir das experiências do Iluminismo, do colonialismo e da Revolução Francesa, tendo como interlocutores, além de Foucault, Giorgio Agamben, Franz Fanon e Hannah Arendt. Em uma resenha sobre o livro “Necropolítica”, Tatiana Ferreira (2018) destaca ainda a forte natureza geográfica do conceito, considerando a forma como o território se estabelece em nações colonizadas e subdesenvolvidas a partir dos pontos abordados pelo autor. Para explorar ainda mais a amplitude do debate, trazemos a discussão para o Brasil, onde compartilhamos do passado de escravidão e experiência colonial com outros territórios, mas também podemos identificar situações presentes no momento socioeconômico e político atual. O Brasil surge das expansões colonizadoras e da adoção da escravização como força de trabalho. Em decorrência disso, ainda sofre as consequências de uma fundação baseada na exploração e na violência, práticas das elites que adotam políticas de submissão dos mais frágeis na pirâmide social, negros, indígenas e mulheres. O poder interno e o poder externo irmanados representam a dialética da colonização como bem esclarece Alfredo Bosi (1992).
Podemos atualizar o debate de Mbembe, com a eleição de um governo totalitário de Jair Bolsonaro que se pauta por políticas de morte: degradação ambiental, racismo e homofobia, armamento da população, isto é, lidamos com uma forma de ódio promovida pelo Estado. A crescente desigualdade social reforça a criminalidade e fomenta a decisão de quem vive e de quem morre – negros, indígenas, pobres, ativistas e ambientalistas, homossexuais. Cria-se um estado de terror, fazendo com que a população, ao se sentir insegura, apoie as políticas armamentistas. Além disso, a necropolítica age diretamente em territórios de exclusão, como as favelas e suas comunidades, onde os direitos não são garantidos. Desprovidos de, infraestrutura urbana básica, saúde, educação, segurança e moradia, esses territórios, durante a pandemia expõem as suas vulnerabilidades, sua população é alvo e sofre as consequências das omissões de forma escandalosa.
A formulação do conceito de necropolítica está relacionada com o conceito de biopolítica de Foucault que, resumidamente, é o fazer viver e o deixar morrer destinados a certos grupos. Indo além, Mbembe vê a biopolítica como insuficiente para explicar a política de morte promovida por um grupo soberano e liga o conceito à questão colonial, buscando exemplos na história como forma esclarecer o necropoder. Mbembe surge como referência para a análise e para a luta antirracista no interior do Estado Democrático de Direito, na medida em que esclarece os vínculos históricos entre necropolítica, racismo estrutural e descolonização.
remissivos
referências
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL). Necropolítica. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, [2021]. Disponível em: https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/necropolitica | Acesso em: 12 fev. 2022.
AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: notas sobre a política. Tradução: Davi Pessoa Carneiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. (Companhia de Bolso).
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
FANON, Frantz. The wretched of the Earth. Tradução: C. Farrington. Nova Iorque: Grove Weidenfeld,
1991.
FERREIRA, Tatiana de Souza. Resenha do livro Necropolítica de Achille Mbembe. Giramundo, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, p. 117-120, jan. 2018. Disponível em: https://www.cp2.g12.br/ojs/index.php/GIRAMUNDO/article/view/2574 | Acesso em: 18 abr. 2022.
FOUCAULT, Michel. Il faut défendre la société: cours au Collège de France, 1975-1976. Paris: Seuil, 1997.
MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção e política da morte. Tradução: Renata Santini. São Paulo: n-1 edições, 2018.
MENDES, Conrado Hübner. 21 técnicas de matar em silêncio: não há opacidade nas engrenagens de morte turbinadas por Bolsonaro. Folha de São Paulo, São Paulo, FolhaJus, p. 1-1, 2 fev. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/conrado-hubner-mendes/2022/02/21-tecnicas-de-matar-em-silencio.shtml | Acesso em: 12 fev. 2022.
SCHMIDT, James (org.). What is Enlightenment?: eighteenth-century answers and twentieth-century
questions. Berkeley: University of California Press, 1996.