glossário
TECNOCIÊNCIA
Angélica Azevedo, Edmir Fernandes e Nathália Alves
Colagem digital de Angélica Azevedo
Colagem digital de Edmir Fernandes
Angélica Azevedo, Edmir Fernandes e Nathália Alves
[...] [A] tecnociência é um recurso de linguagem para denotar a íntima relação entre ciência e tecnologia. Porém, mais que um simples termo, representa um conceito amplamente utilizado na comunidade interdisciplinar de estudos sociais da ciência e tecnologia que buscam evidenciar a desconfiguração dos limites desse cruzamento. [...] O termo procura sublinhar os laços sociais das atividades científico/ tecnológicas, mantidas e afirmadas por redes materiais não-humanas. [...]
OGIBOSKI, Vitor. Reflexões sobre a tecnociência: uma análise crítica da sociedade tecnologicamente potencializada. 2012. 104 f. Dissertação (Mestrado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2012. [ p. 22-23 ]
Angélica Azevedo e Silva
Edmir Fernandes de Souza
Nathália Alves Domingo
A tecnociência é um conceito que nos remete ao futuro, ao mundo das máquinas e da vida artificial. É a junção dos conhecimentos da ciência e da tecnologia onde um auxilia o outro em busca de facilitadores e melhorias práticas para a vida humana, nem sempre se importando com elementos imprescindíveis como a ética e a natureza. Sendo, consequentemente, uma área do conhecimento da contemporaneidade com efeitos ambíguos no qual há transformações acontecendo, mas “ricas em promessas e ameaças ao mesmo tempo” (MORIN, 2007).
O termo “tecnociência” foi introduzido por Gilbert Hottois na obra “Le Signe et la technique: la Philosophie à l’épreuve de la technique'' (O signo e a técnica: a filosofia posta à prova da técnica, em tradução livre), de 1984 e popularizado por Bruno Latour e Donna Haraway, significando “a ciência produzida no contexto da tecnologia e por essa dirigida” (KOSLOWSKI, 2015, p. 13). Koslowski apresenta a visão de Latour e explica que a tecnociência “sintetiza o que é expresso pelo termo ciência-e-tecnologia quando ciência aplicada e ciência pura não podem mais ser separadas” (KOSLOWSKI, 2015, p.13). O autor diz também que, segundo a visão de Bunge, “todos os estudantes e profissionais são tecnocientistas desde que usem o método científico e empreguem os achados científicos para estudar, controlar e desenhar processos artificiais ou coisas”, mas prefere utilizar o termo “ciência aplicada” por ser menos confuso (KOSLOWSKI, 2015, p.16). Já em relação à concepção de Echeverría, a tecnociência é “uma mudança social na comunidade científica, um modo diferente de prática” onde a “ciência perde parte de sua autonomia para o desenvolvimento tecnológico, para a inovação e para o lucro” (KOSLOWSKI, 2015, p.33).
Verificando pelas origens gregas, o termo tecnociência é a junção das palavras techne e episteme. A palavra techne se refere à arte, artesanato ou técnica. Conforme Aristóteles (1973), techne consiste em “saber fazer”, no sentido de ter a habilidade de fazer algo. Já Platão, utiliza-o no sentido de “ser dono da própria mente”. Enquanto a palavra episteme se refere a um conhecimento verdadeiro e de natureza científica. Sendo objetivo e imutável conforme Aristóteles (1973) e eterno, absoluto e independente das coisas a qual se refere, conforme Platão (1958), consistindo mais no ser do que no fazer (AZAMBUJA, 2013, p. 327). Na tecnociência deve ser considerada a ética pois, de acordo com Hottois, a tecnociência afeta todas as atividades humanas. Para ele:
A filosofia da técnica parte da constatação de que a técnica é o fato — ou um dos fatos — dominante no nosso tempo, e que esse fato desafia a filosofia não apenas em todas as suas partes, mas ainda assim: em um universo técnico onde a certeza é generalizada e que não há nenhuma questão ou problema para o qual seja impossível encontrar uma solução técnica, o filósofo é convocado a questionar a natureza e o significado de sua atividade, pelo menos se ele não quer ficar inteiramente à margem do mundo em que vive. Ele encontra imediatamente o problema ético? Nós pensamos que sim. Nós pensamos que a problemática ética, com tudo isso subjacente, constitui a questão central da filosofia da técnica. (HOTTOIS, 2009, p. 9-10, tradução nossa)
Há uma grande liberdade de ação das pessoas, porém isto infere em maiores responsabilidades com a própria vida humana e a natureza. Por isso é necessário elaborar uma ética tecnocientífica, como defendida por Azambuja (2013), para incorporar os novos conceitos da atualidade e pensar de forma ética, impedindo o uso de um poder tão elevado de forma a prejudicar os viventes e o planeta.
A ciência, a partir da instituição da sociedade industrial, não pode ser mais separada da técnica e vice-versa, torna-se possível identificar diferentes momentos da técnica ao longo da história. A partir de Azambuja (2013), entende-se que a tecnologia antiga era imitativa e colaborativa: “A natureza era vista como fonte de energia, parceria na produção de energia” (AZAMBUJA, 2013, p. 329). Esta etapa é diferente da que se instala como consequência dos modos de produção industrial que, de acordo com Heidegger (1998), é a técnica que visa extrair da natureza o que é necessário e transforma seus elementos para a expansão e o domínio do homem sobre o planeta. A natureza é vista como uma fonte “aparentemente inesgotável de energias e recursos” (AZAMBUJA, 2013, p. 329).
Em contrapartida a essas duas etapas históricas da técnica, apresenta-se a tecnociência contemporânea, que manipula os dados da natureza em suas formas mais básicas e assim torna capaz a criação e modelagem de novas formas de vida e evoluções. A relação dessa tecnologia com a natureza não possui mais um carácter exploratório, mas a torna um objeto de curiosidade e estudo que a tecnociência contemporânea transforma e inventa (AZAMBUJA, 2013).
Com a tecnociência, surgem diversas dúvidas acerca do futuro do planeta e da humanidade. É questionado se a tecnociência irá instituir novas formas, novos modos de ser, sentir e viver que incluem a sustentabilidade e a preservação da natureza (GUATTARI, 1999) ou se ela irá se impor de forma positiva aos anseios de preservação ambiental, justiça social e qualidade de vida para a nossa época (AZAMBUJA, 2013). Tais questionamentos abrem uma discussão sobre os desafios éticos a serem relacionados à sociedade tecnocientífica.
Figura 2
A Manipulação Genética na Tecnociência Contemporânea – colagem digital de Angélica Azevedo
Gilbert Hottois (2008, p. 618) apresenta a primeira sistematização teórica para a tecnociência, que consiste em três perspectivas filosóficas: a tecnofobia humanista, a tecnofilia humanista e a tecnofilia evolucionista. A tecnofobia humanista possui um princípio idealista e atenta a civilização sobre os perigos que enfrentam ao tentar transgredir os limites da natureza. Em contrapartida, a tecnofilia humanista possui uma visão positiva em relação à técnica, “[...] A técnica seria o meio privilegiado para o aperfeiçoamento e a emancipação humana” (AZAMBUJA, 2013) e, de acordo com Hottois (2008, p. 261), o humanismo tecnófilo considera a humanidade como algo “perfectível, mas não como modificável e a ser modificada essencialmente”. E finalmente, para Hottois (2008, p. 621), a tecnofilia evolucionista “[..] leva em conta a temporalidade biocósmica”. A forma humana é compreendida como algo mutável e modificável, dentro do contexto do processo evolutivo biocósmico, e pode superar seus próprios limites (AZAMBUJA, 2013).
Figura 3
Tecnofobia e Tecnofilia Humanista e Evolucionista - colagem digital de Nathália Alves.
Tendo como contraponto os argumentos levantados por Azambuja (2013), Edgar de Assis Carvalho (2000) em seu artigo “Tecnociência e complexidade da vida”, apresenta diversas problemáticas e consequências causadas pelo choque entre a cultura das humanidades e a cultura científica. Ele considera também as diversas necessidades de uma ética em relação ao tema, questiona a presença crescente e os avanços da tecnociência em um ritmo que pode impedir o ser humano dominá-la e controlá-la (CARVALHO, 2000).
Carvalho (2000), ainda, observa que a tecnociência dividiu a cultura da humanidade e da cultura científica, enfraquecendo e obliterando a correlação entre elas, “impedindo que itinerários racional-lógico-dedutivos e mítico-imaginários se retroalimentassem mutuamente" (CARVALHO, 2000, p. 26.). Para ele, “[a] nova ordem mundial” da tecnociência acaba trazendo diversas desigualdades, sem uma distinção de quem será afetado, que se exemplifica pelo aumento dos desempregados e com pessoas sem o acesso a direitos fundamentais (CARVALHO, 2000, p. 27).
A questão da ética merece atenção e esforços, a vertiginosa capacidade humana de intervir na natureza, incluindo a sua própria, implica a tomada de posição que considere as tensões, as contradições de nossos admiráveis mundos novos. Onde a mesma se caracteriza pelos efeitos de desmatamento e poluição ambiental e também visa o desenvolvimento científico da sociedade, ainda que acabe se tornando uma fonte de riscos e prejuízos à modernidade.
Figura 4
A “Criação” da Tecnociência – colagem digital de Edmir Fernandes.
[ jun. 2022 ]
Para que o desenvolvimento científico ocorra o homem teve que interferir diretamente no meio natural, porém tais projetos tecnológicos acabaram passando por cima da evolução natural da natureza, fazendo com que estas ações se tornassem cada vez mais severas e irreversíveis. Porém, esse conflito entre o homem e a natureza se justifica pela necessidade do homem de ir em busca do progresso, pois a ciência e tecnologia passam se inserem na lógica de mercado. Os recursos derivados da natureza e transformados pela tecnologia passam a gerar valor comercial e de uso comunitário.
Dessa forma, a ciência é entendida com um caráter de investimento, também atrelada a geração de capital, ajudando no desenvolvimento de soluções sociais a toda uma sociedade. Com tais recursos advindos da natureza e transformados pela tecnologia, as pessoas habilitadas nas áreas de arquitetura e urbanismo procuram incentivar projetos de reestruturação e restauração da natureza que um dia foi consumida
remissivos
referências
AZAMBUJA, Celso Candido de. Ética e tecnociência. Revista de Filosofia Aurora, São Paulo, v. 25, n. 36, p. 323-340, jan./ jun. 2013. Disponível em: https://doi.org/10.7213/revistadefilosofiaaurora.7777 | Acesso em: 12 fev. 2022.
CARVALHO, Edgar de Assis. Tecnociência e complexidade da vida. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 26-31, jul. 2000. Disponível em: http://old.scielo.br/pdf/spp/v14n3/9768.pdf | Acesso em: 14 fev. 2022.
EPISTEME. In: OXFORD, Languages. São Paulo: Oxford University Press, 2022. Disponível em: https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/ | Acesso em: 20 fev. 2022.
HOTTOIS, Gilbert. Do renascimento à pós modernidade: uma história da filosofia moderna e contemporânea. São Paulo: Editora Ideias & Letras, 2008.
KOSLOWSKI, Adilson. É o conceito de tecnociência confuso?. Philósophos, Goiânia, v. 20, n.1, p. 11-36, jan./ jun. 2015. Disponível em: https://doi.org/10.5216/phi.v20i1.36115 | Acesso em: 14 fev. 2022.
MORIN, Edgar. A humanidade no século XXI. [Palestra proferida em 2007]. [S.l.]: Edgar Morin; SESC-SP, [2020]. Disponível em: https://edgarmorin.sescsp.org.br/categoria/palestra/3-a-humanidade-no-seculo-xxi | Acesso em: 16 fev. 2022.
OGIBOSKI, Vitor. Reflexões sobre a tecnociência: uma análise crítica da sociedade tecnologicamente potencializada. 2012. 104 f. Dissertação (Mestrado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2012. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/1093 | Acesso em: 16 mar. 2022
TECNOLOGIA. In: OXFORD, Languages. São Paulo: Oxford University Press, 2022. Disponível em: https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/ | Acesso em: 20 fev. 2022.