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glossário

ARQUITETURA CONCEITUAL

Arquitetura Conceitual-imagem.png

Páginas de abertura de duas versões do texto Notes on Conceptual Architecture, de Peter Eisenman:
à esquerda, na revista Design Quarterly (1970) e, à direita, na Casabella (1971).

A tarefa para uma arquitetura conceitual, em oposição à arte conceitual, não seria tanto a de encontrar tal sistema de signos ou um dispositivo de codificação, em que cada forma em um contexto particular assume um significado consensuado, mas, antes, pareceria mais razoável investigar a natureza do que foi chamado de universais formais, que são inerentes a toda forma ou constructo formal. [...].

Peter Eisenman, “Notes on Conceptual Architecture: Towards a Definition” = “Appunti sull’Architettura Concettuale: Verso una Definizione”, In: Casabella, n. 359-360, 1971 [ p. 55, tradução nossa ]

Eduardo Ancrin de Oliveira

Silvia Fernanda Martins de Oliveira

[ jun. 2021 ]

remissivos

Em 1970, a revista Design Quarterly lançou um editorial com onze arquitetos e artistas sobre o tema da arquitetura conceitual. Peter Eisenman foi um dos convidados a participar da edição, na qual publicou Notes on conceptual architecture: towards a definition [Notas sobre arquitetura conceitual: por uma definição], que servia de introdução ao tema. No texto em questão, bastante desafiador devido a seu despojamento diagramático, o autor apresentou um texto em branco, deixando marcadas apenas as notas de rodapé, a partir das quais deveriam ser depreendidas suas reflexões, relacionadas entre si por uma espécie de “liga-pontos”. No ano seguinte, em uma edição da revista Casabella, o texto foi publicado integralmente, como parte de um dossiê sobre as atividades desenvolvidas no The Institute of Architecture and Urban Studies (IAUS), centro criado e dirigido por Eisenman (EISENMAN, 1970; 1971).

Na edição de Design Quarterly a arquitetura conceitual foi apresentada a partir de um conjunto bastante heterogêneo, reunindo grupos e artistas como Ant Farm, Archigram, Archizoom, Haus-Rucker-Company, Ed Ruscha e Superstudio, entre outros. A experimentação entre os campos da arquitetura e das artes foi um elemento comum a todos, mesmo que não estivessem diretamente relacionados com os debates da arte conceitual. Mesmo o texto de Eisenman não chega a ser conclusivo sobre o tema. Como observado por Mark Jarzombek, mais do que fornecer uma definição sobre a arquitetura conceitual, o texto Notes... trata do “[...] problema conceitual da arquitetura enquanto um projeto pós-Iluminista.” (JARZOMBEK, 2009, p. 95, tradução nossa). A provocação lançada por Eisenman deu ampla visibilidade ao debate, mas deve ser considerada como parte de um projeto mais amplo do autor, de revisão crítica da arquitetura moderna, associada a outros textos do mesmo período e ao conjunto de casas numeradas produzidas entre os anos de 1960 e 1970.

Termos como “arquitetura de papelão” [cardboard architecture] e “arquitetura autônoma” também podem ser associados a este debate, se ampliado para incluir outros membros dos chamados Five Architects, numa referência ao livro homônimo em que foram apresentadas as obras de Eisenman, Michael Graves, Charles Gwathmey, John Hejduk e Richard Meier (DREXLER et. al., 1975). Mais uma vez, mesmo considerada a heterogeneidade dos arquitetos listados, aponta-se a busca pela autonomia formal como um ponto em comum, como uma estratégia projetual que tinha, como finalidade, subtrair conotações ideológicas tanto da arquitetura moderna quanto da pós-moderna (ARANTES, 1995; COHEN, 2013; BRONSTEIN, 2018). Mesmo com premissas críticas aparentemente tão bem definidas, para Eric Lum (2003) a arquitetura conceitual mostrou pouco interesse em reformular as convenções do próprio campo.

A despeito das críticas levantadas, um aspecto comum dentro da arquitetura conceitual reside na radicalização da forma, ainda que, como na arte conceitual, tenda-se a negar a materialidade. A ênfase passa para os desenhos e diagramas, priorizando o processo de projeto em si em detrimento do processo construtivo. A obra de John Hejduk, neste caso, serviria de contraponto, pois, mesmo tendo se consagrado pelos seus trabalhos teóricos e conceituais, o arquiteto também dedicou grande atenção às especificidade tectônicas (LUM, 2003). Isso mostra que a arquitetura conceitual deve, também, apresentar um entendimento entre desenho e construção. Por mais que seja voltada para o campo teórico, a partir do momento que um objeto desconsidera totalmente as questões construtivas, ele passa, cada vez mais, a perder sentido como arquitetura.

Expressões recentes da arquitetura conceitual foram identificadas em obras de Daniel Libeskind e da dupla Elizabeth Diller e Ricardo Scofidio (LUM, 2003; FOSTER, 2017). A partir deles entende-se que a conceituação na arquitetura deve não apenas desconstruir a forma, como também manifestar uma intencionalidade crítica, aproximando a reflexão sobre a natureza da arquitetura com questões de ordem histórica e política, ou explorando novos suportes e mídias. Como exemplo, o Edifício Névoa [Blur Building], de Diller+Scofidio, apresenta-se como uma espécie de nuvem pairando sobre a água, como uma experiência de interação entre arte, ambiente e tecnologia. Como em tantos outros casos, acaba operando de maneira relativamente distinta à prática estabelecida, nem como edifício nem sua representação, mas não deixa de ser uma mercadoria cultural específica e, por mais refinado que seja o discurso que a acompanha, também pode ser entendida como uma representação picaresca sem reflexões mais profundas sobre o seu processo de produção.

referências

ARANTES, Otília Beatriz Fiori. O lugar da arquitetura depois dos modernos. 2. ed. São Paulo: EdUSP, 1995.

BRONSTEIN, Laís. As coleções de Aldo Rossi e John Hejduk. Pós-: Revista do Programa Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, São Paulo, v. 25, n. 45, p. 12-27, jan./abr. 2018. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/posfau/article/view/117584 | Acesso em: 21 mai. 2021.

COHEN, Jean-Louis. O futuro da arquitetura desde 1889: uma história mundial. Tradução: Donaldson M. Garschagen. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

DREXLER, Arthur et al. Five architects: Eisenman, Graves, Gwathmey, Hejduk, Meier. 2. ed. Nova Iorque: Oxford University Press, 1975.

EISENMAN, Peter. Notes on conceptual architecture: towards a definition. Design Quarterly, Mineápolis, n. 78-79, p. 1-5, 1970.

EISENMAN, Peter. Notes on conceptual architecture: towards a definition = Appunti sull’architettura concettuale: verso una definizione. Casabella, Milão, n. 359-360, p. 48-58, dez. 1971.

FOSTER, Hal. O complexo arte-arquitetura. Tradução: Célia Euvaldo. São Paulo: Ubu, 2017.

JARZOMBEK, Mark. A conceptual introduction to architecture. Log, Nova Iorque, n. 15, p. 89-98, Winter 2009.

LUM, Eric. Conceptual matter: on thinking and making conceptual architecture. Harvard Design Magazine, Cambridge, n. 19, Fall/ Winter 2003.

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