top of page

glossário

CIDADE COLAGEM [*]

Cidade Colagem.png

Cidade da Presença Combinada (1976-1977), projeto de David Griffin e Hans Kolhoff, usado por Rowe e Koetter como lustração da "cidade colagem“. À direita, legenda com mapeamento das obras identificadas. Fonte: Rowe e Koetter (1978), modificado pelos autores.

[...] A utopia como metáfora e a Cidade Colagem como prescrição: esses opostos, envolvendo tanto as garantias do direito como da liberdade, certamente deveriam constituir a dialética do futuro, mais do que alguma rendição completa ou às “certezas” científicas ou aos simples caprichos do ad hoc. A desintegração da arquitetura moderna parece exigir tal estratégia; um pluralismo esclarecido parece convidativo; e, possivelmente, isso está de acordo com o senso comum

Colin Rowe e Fred Koetter, Collage City, 1978. [ p. 181, grifos dos autores, tradução nossa ]

Leandro de Sousa Cruz

Elane Ribeiro Peixoto

[ jun. 2021 ]

remissivos

No livro Collage City, publicado em 1978, Colin Rowe e Fred Koetter estabeleceram a teoria da “cidade colagem”, uma das mais influentes do pós-guerra nos Estados Unidos (ROWE e KOETTER, 1978). Embora os autores não a classifiquem deste modo, a obra se insere no debate mais amplo do "contextualismo", que já vinha sendo desenvolvido desde a década anterior e recebe essa denominação de ex-alunos do próprio Colin Rowe, a exemplo de Stuart Cohen e Thomas Schumacher. Mesmo tratando-se de um debate gerado em ambientes predominantemente acadêmicos, contou com ampla difusão na prática profissional (HAYS, 1998; ELLIN, 1999; JENCKS, 1985).

Desde meados da década de 1960, Rowe já trabalhava com os estudantes da Cornell University, no âmbito do Urban Design Studio, em um conjunto de atividades que deram origem ao livro. O material foi finalizado entre 1973 e 1978, período em que, antecedendo sua publicação final, começou a circular como manuscrito e, em seguida, foi publicado como artigo na edição n. 158 de The Architectural Review, em agosto de 1975 (ROWE e KOETTER, 2008). O interesse dos autores pela configuração urbana de Roma, embora já estivesse evidente nas suas primeiras versões, ganhou mais relevo após a participação de Rowe e equipe na exposição Roma Interrotta, realizada entre 1977-78, que consistia na elaboração de novas propostas para a cidade de Roma a partir do Plano de Giambattista Nolli, de meados do século XVIII, conhecido por sua representação dos cheios e vazios na forma urbana – salientando as fronteiras entre espaços públicos e privados.

O livro se inicia com uma espécie de obituário da cidade moderna, criticando o distanciamento entre a promessa redentora da arquitetura e seu alcance limitado para apresentar, em seguida, a condição contemporânea como uma encruzilhada de um duplo oposto: o despotismo da ciência e a tirania das massas. Ainda na “Introdução” são enunciadas algumas ideias-chave que compõem a teoria da cidade colagem, teorizada como uma proposta de conciliação entre as virtudes de uma cidade moderna idealizada e as contingências da cidade real. Na sequência, o livro se estrutura em seis capítulos. Os dois primeiros – "Utopia: Declínio e Queda?" e "Depois do Milênio“ – trazem uma crítica às utopias e às propostas de desenho urbano do pós-guerra. O terceiro capítulo – "A Crise do Objeto: O Impasse da Textura“ – aponta o problema da "fixação no objeto" da arquitetura moderna e suas consequências, para então apresentar a técnica do diagrama de figura-fundo como uma nova possibilidade de análise e projeto para a cidade contemporânea, em que se valoriza a espacialidade tradicional da cidade pré-moderna e as relações de coexistência do novo com o preexistente.

As duas seções seguintes – "Cidade-Colisão e a Política da Bricolagem" e "Cidade-Colagem e a Reconquista do Tempo“ – apoiam-se no discurso antiutópico do filósofo da ciência Karl Popper, ocasião em que os autores apresentam as vantagens de trabalhar aceitando as situações de colisão e superposição. Aqui a Villa Adriana é apresentada como um modelo arquitetônico e urbanístico para a investigação contemporânea, com suas propriedades fragmentárias e cumulativas de diferentes períodos, como uma oposição aos esquemas totalizantes e coercitivos das utopias modernas. Rowe e Koetter defendem que a tarefa de negociação das contradições inerentes ao processo aconteça sem hierarquias fixas, semelhante ao exercício da bricolagem (em referência a Claude Lévi-Strauss), apropriado pelos autores como uma metáfora da política.

Habitualmente a utopia – seja ela platônica ou marxista – foi concebida como axis mundi ou como axis istoriae; porém, se desse modo ela operou como mais uma agregação de ideias totêmica, tradicionalista e não questionada, se sua existência tem sido poeticamente necessária e politicamente deplorável, então isso apenas reforça a ideia de que uma técnica de colagem, ao acomodar toda uma variedade de axes mundi (todas elas utopias de bolso – o cantão suíço, a vila da Nova Inglaterra, o Domo da Rocha, a Place Vendôme, o Campidoglio etc.), pode ser um meio que nos permita o desfrute dos projetos utópicos sem sermos obrigados a passar pelo constrangimento da política utópica. Isso significa dizer que, como a colagem é um método cuja virtude é decorrente de sua ironia, como ela parece ser uma técnica de usar coisas e, ao mesmo tempo, não acreditar nelas, ela também é uma estratégia que pode permitir lidar com a utopia enquanto imagem, lidar com ela em fragmentos, sem termos que aceitá-la in toto, o que nos sugere que a colagem poderia ainda ser um estratégia que, mesmo apoiando a ilusão utópica de imutabilidade e finalidade, possa alimentar uma realidade de mudança, movimento, ação e história. (ROWE e KOETTER, 1978, p. 149, grifos dos autores, tradução nossa)

Seguindo sua ampla difusão, o livro foi lançado em outros idiomas nos anos que se seguiram à sua publicação original, incluindo uma edição espanhola de 1981, Ciudad Collage (ROWE e KOETTER, 1998). Em português, conta-se apenas com a tradução do artigo publicado na revista The Architectural Review, devido à sua inclusão na coletânea Uma nova agenda para a arquitetura (ROWE e KOETTER, 2015). O tema não passa, no entanto, completamente desapercebido e foi abordado por autores como Fernando Fuão (2011) e Paola Berenstein Jacques (2020).

referências

FUÃO, Fernando Freitas. A Collage como trajetória amorosa. Porto Alegre: UFRGS, 2011..

HAYS, K. Michael (ed.). Architecture theory since 1968. Cambridge; Londres: The MIT Press, 1998.

MORRIS, Mark. All night long: the architectural jazz of the Texas Rangers. In: SPILLER, Neil; CASTLE, Helen (Ed.). Special Issue: Drawing Architecture. Architectural Design, Londres, v. 83, n. 5, p. 20-27. September/October 2013.

ROWE, Colin; KOETTER, Fred. Collage City. Cambridge; Londres: The MIT Press, 1978.

ROWE, Colin; KOETTER, Fred. Ciudad collage. Tradução: Justo G. Beramendi. Barcelona: Gustavo Gili, [1998].

ROWE, Colin; KOETTER, Fred. Cidade Colagem [1975]. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica, 1965-1995. Tradução: Vera Pereira. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2015. p. 294-322.

RUBIÓ, Ignasi de Solà-Morales. Do contraste à analogia: novos desdobramentos do conceito de intervenção arquitetônica. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica, 1965-1995. Tradução: Vera Pereira. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2015. p. 260-261.

JACQUES, Paola Berenstein. Fantasmas modernos: montagem de uma outra herança, v. 1. Salvador: EDUFBA, 2020. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/33010/1/fantasmas-modernos-montagem-outra-heranca-v1-RI.pdf | Acesso em: 21 mai. 2021.

JENCKS, Charles. Modern movements in architecture. 2. ed. Middlesex: Penguin, 1985.

ELLIN, Nan. Postmodern urbanism. 2. ed. Nova Iorque: Princeton Architectural Press, 1999.

[*]

Verbete publicado orginalmente na Cronologia do Pensamento Urbanístico:

http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1433

bottom of page