top of page

glossário

FAVELIZAÇÃO

Favelizacao.png

Luz elétrica em James’ Court, antigo slum da cidade de Edimburgo, e Luz elétrica em Jardim Cajazeiras, bairro originado de um loteamento popular em Salvador. Fotos de Leandro Cruz.  

Quem acompanha a vida de qualquer grande cidade no Brasil é testemunha do crescimento explosivo das periferias abandonadas ou da favelização a partir do início dos anos 1980. [...] As favelas do Rio de Janeiro e de Recife surgiram no final do século XIX e começo do século XX, quando uma parte da mão-de-obra escrava libertada ficou sem alternativa de moradia (o restante passou a viver de favor). Décadas se passaram, e nem o trabalho passou à condição absoluta e geral de mercadoria, nem a moradia, como acontecera no capitalismo central. [...]

Erminia Maricato, "Posfácio", InPlaneta Favela, 2006. [ p. 214-215 ]

Ana Lúcia Raimundo de Mello

Liara M. Brito de Oliveira Ramortsua

[ jun. 2021 ]

remissivos

As conceituações de favelização e de termos correlatos, como periferia e agregado subnormal, são diversas e não esgotam este tema amplo e multifacetado. Quando refletimos sobre as origens do Planejamento Urbano, remontamos ao fim do século XVIII e início do século XIX, período da Revolução Industrial, que marca um ponto de inflexão no pensamento urbanístico. A Revolução Industrial trouxe para as cidades uma nova dinâmica, baseada em valores de troca de capital. Não que o certa noção de organização do território não estivesse presente desde os primórdios da formação de comunidades urbanas, mas as definições de seu conceito e suas implicações vieram à tona e ganham novas perspectivas a partir do estudo do Urbanismo como campo disciplinar autônomo. A industrialização e a expansão do sistema capitalista promoveram o crescimento desenfreado das cidades e o surgimento de uma nova forma de organização da sociedade. Junto a isso, problemas de ordem social como marginalização, miséria, fome, desemprego, violência e favelização tornam-se cada vez mais presentes em contexto das grandes cidades pelo mundo. Ainda hoje, a degradação e o aumento da vulnerabilidade das camadas menos favorecidas são fenômenos mundiais e os núcleos de pobreza urbana tornam-se cada vez maiores, com denominações que variam entre favelas, villas miseria, barriadas, slums, entre outros.

Reconhecido por uma trajetória intelectual dedicada aos estudos urbanos contemporâneos, o historiador Mike Davis publicou, em 2006, Planeta Favela. O termo “favelização” (slumming) consta apenas na epígrafe de um dos capítulos, em referência ao livro Slumming India, da indiana Gita Dewan Verma (DAVIS, 2006, p. 103). O assunto, no entanto, não está menos presente no livro, que trouxe uma visão panorâmica sobre a condição urbana na escala planetária, problematizando o fenômeno da precarização e aumento da informalidade em todo o mundo. Davis coloca como ponto principal a explosão populacional global desde a segunda metade do século XX e a falta de estruturas das cidades, antes pequenas, que foram forçadas a receber quantidades exorbitantes de habitantes à procura de emprego e melhores condições de vida. Na edição brasileira, a questão foi pormenorizada e trazida para o contexto brasileiro em um posfácio escrito por Erminia Maricato (2006).

Outra visão panorâmica veio com o documentário Slums: Cities of Tomorrow (2013), de Jean-Nicolas Orhon, que apresentou a realidade de diferentes países e as versões do que se entende como “favela” em cada cultura. A produção deixou clara a diferença física e conceitual com relação ao termo, mas convergindo em torno de sua condição marginal. Para um histórico do termo, Mike Davis identifica o primeiro registro da palavra slum em uma obra de 1812 do escritor James Hardy Vaux, Vocabulary of the Flash Language, “[...] no qual é sinônimo de racket, ‘estelionato’ ou ‘comércio criminoso’. [...]” (DAVIS, 2006, p. 32, grifo do autor). Com relação ao termo “favela” em português, Paola Berenstein Jacques associa o seu surgimento e repercussão à história do Morro da Providência, no Rio de Janeiro:

[...] A palavra favela só passa de nome próprio a substantivo (com f minúsculo e sem um l) nos jornais, a partir de 1920. Na sua acepção original, favela denomina uma planta existente no sertão, que deu seu nome a um morro – da Favella –, ponto estratégico dos soldados que lutaram em Canudos (ver Os Sertões de Euclides da Cunha). Esses soldados, ao voltar para a capital (Rio de Janeiro), vão ocupar o morro da Providência (em 1897) e passam a chamar este morro de morro da Favella, em alusão àquele de Canudos. [...] (JACQUES, 2011, p. 22 n7, grifos da autora)

No Brasil, a formação das periferias tem origem com a declaração de fim do período escravagista, situação em que trabalhadoras e trabalhadores, sem condições financeiras de prover seu sustento, passaram de mão de obra escrava a mão de obra livre, porém recebendo baixíssima remuneração. Mais adiante, as políticas de reforma urbana e os planos de embelezamento promovidos no começo do século XX, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Salvador visaram à realização de obras de saneamento e infraestrutura, trazendo consigo um violento processo de limpeza social. Associadas a ações de desocupação de áreas centrais, promovendo o alijamento dessas populações para regiões mais distantes, não formais e precárias.

O grande salto populacional ocorrido entre os séculos XX e XXI intensificou problemas nos grandes centros urbanos, evidenciando que urbanização e modernização, no Brasil, não são para todos. Entre 1980 e 2000, aprofundaram-se as desigualdades, com o aumento do desemprego e redução das políticas sociais, crescendo consideravelmente o número de favelas, de acordo com o Censo de 2000 (MARICATO, 2003, p. 78-79). A descrição física, as condições de sua ocorrência e a insegurança jurídica das moradias nas favelas de grandes cidades brasileiras não haviam mudado significativamente, se comparadas com o começo do século:

[...] É nas áreas desprezadas pelo mercado imobiliário, nas áreas ambientalmente frágeis, cuja ocupação é vetada pela legislação e nas áreas públicas, que a população pobre vai se instalar: encostas dos morros, beira dos córregos, áreas de mangue, áreas de proteção aos mananciais… Na cidade, a invasão de terras é uma regra, e não uma exceção. Mas ela não é ditada pelo desapego à lei ou por lideranças que querem afrontá-la. Ela é ditada pela falta de alternativas. [...]

[...]

O que define a favela é a completa ilegalidade da relação do morador com a terra. Trata-se de áreas invadidas. O que a difere dos loteamentos ilegais é o contrato de compra e venda, que garante algum direito ao morador do loteamento, também chamado popularmente de loteamento clandestino. [...] A irregularidade na implantação do loteamento impede o registro do mesmo pelo cartório de registro de imóveis, prejudicando, conseqüentemente, os compradores. (MARICATO, 2003, p 79-80).

Ocorreram também, neste período, experiências paradigmáticas de urbanização de favelas, conquistadas por movimentos de luta por moradia e realizadas em contextos políticos diversos – ações que favoreceram a permanências das famílias e mudaram, sensivelmente, o histórico de expulsões. Mesmo sendo elemento incontornável das cidades brasileiras, o processo de formação de favelas ainda carece de conceituação uniforme e de precisão em seu dimensionamento. Pesquisas recentes evidenciam, por exemplo, as limitações do termo “aglomerado subnormal”, usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por subestimar a população real que vive em residências inadequadas ou irregulares (MATA, 2007, p. 17).

referências

DAVIS, Mike. Planeta Favela. Tradução: Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo, 2006.

FRANÇA, Mateus Cavalcante de. Pobreza, Desigualdade e favelização: investigando elementos associados ao crescimento de aglomerados subnormais. Revista Húmus, São Luís, v. 10, n. 28, 2020. Disponível em http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/view/13612 | Acesso em: 21 mai.2021

JACQUES, Paola Berenstein. Estética da ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. 4. ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011.

MARICATO, Erminia. Conhecer para resolver a cidade ilegal. In: CASTRIOTA, Leonardo Barci (org.). Urbanização brasileira: redescobertas. Belo Horizonte: C/Arte, 2003. p. 78-96. Disponível em: https://erminiamaricato.files.wordpress.com/2012/09/urbanizacao-brasileira.pdf | Acesso em: 21 mai.2021.

MARICATO, Erminia. Posfácio. In: DAVIS, Mike. Planeta Favela. Tradução: Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo, 2006 . p. 209-224.

MATA, Daniel Ferreira Pereira Gonçalves da. Determinantes da favelização nas cidades brasileiras. 2007. 60 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Departamento de Economia, Universidade de Brasília, Brasília, 2007. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/2984 | Acesso em: 21 mai. 2021.

SLUMS: CITIES OF TOMORROW. Direção: Jean-Nicolas Orhon. Produção: Christine Falco. Local: Quebec, Canadá. F3M Films, 2013.

bottom of page