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glossário

GENTRIFICAÇÃO

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  Rua sem Saída em Williamsburg, no Brooklyn. Ao fundo, perfil com arranha-céus de Manhattan. Foto de Leandro Cruz.  

[...] Na verdade, a gentrificação é um esperado produto da operação relativamente desimpedida dos mercados fundiário e de moradia. A depreciação econômica do capital investido nos bairros centrais do século XIX e a concomitante ascensão em potenciais níveis de renda do solo produzem a possibilidade de remodelação rentável. Embora as características sociais muito evidentes dos bairros deteriorados desencorajem a remodelação, as características econômicas ocultas podem, muito bem, ser favoráveis. [...]

Neil Smith, “Toward a Theory of Gentrification: A Back to the City Movement by Capital, Not People”, In: Journal of the American Planning Association, v. 45, n. 4, 1979.
[ p. 538, tradução nossa ]

Jade Matos Pereira

Paloma Viegas Alves Rodrigues

[ jun. 2021 ]

remissivos

O conceito de “gentrificação” foi criado pela socióloga britânica Ruth Glass no livro London: aspects of change (MATHEMA, 2015), publicado em 1964, em que foram relatadas e analisadas mudanças ocorridas em inúmeros bairros operários de Londres. De acordo com a Enciclopédia de Antropologia, a primeira definição de gentrificação diz respeito a processos de mudança das paisagens urbanas, onde áreas antigas ou populares começam a atrair moradores com renda mais alta, os chamados “gentrificadores”. Esse processo começa com a mudança gradativa dessa faixa da população que foi atraída por algum aspecto específico do local, seja ele físico, como alguma construção, ou econômico, pelos baixos preços de moradia. A chegada desses novos moradores leva à valorização econômica da região, resultando não apenas no superfaturamento dos imóveis como também no aumento do custo de vida como um todo, o que acaba por expulsar os antigos residentes e comerciantes, que geralmente representam a camada das classes operárias e a comunidade de imigrantes. Ao final desse movimento, temos um bairro cuja diversidade social foi altamente reduzida (ALCÂNTARA, 2018).

A partir de David Harvey, em Condição pós-moderna, entende-se que o termo “gentrificação” – assim como “yuppies”, usado para designar jovens profissionais urbanos – poderia muito bem descrever um modo de vida urbana próprio da pós-modernidade, sinalizado ainda nos anos 1970 e bastante evidente no começo nos anos 1990, quando o livro foi publicado (HARVEY, 2008). Aqui o processo de gentrificação aparece associado ao imaginário de comunidade, à valorização da história e à recuperação dos centros, através de projetos urbanos e de novas arquiteturas. Se no Modernismo cultivou-se o desenvolvimento de planos em grande escala, no Pós-modernismo constitui-se uma prática fragmentada, muito mais vinculada ao projetado do que ao planejado.

A transformação que o fenômeno da gentrificação provoca em determinado espaço é comumente associada a outros termos também usados para expressar mudanças nos aspectos físico e social das cidades. O instituto COURB, organização atuante na área de sustentabilidade urbana, apontou as diferenças existentes entre “gentrificação” e “revitalização”, expondo que o ato de revitalizar está ligado a reparos pontuais em espaços urbanos a partir de demandas da população que será beneficiada. O processo de gentrificação, por sua vez, está diretamente associado ao interesse privado da especulação imobiliária e ocorre numa escala muito maior dentro do cenário urbano, ocupando bairros centrais, históricos ou com potencial turístico. Sob um pretenso viés de melhoria da cidade, a gentrificação foi apontada pelo instituto COURB como um processo indesejado, que pode resultar em ações de despejo e exclusão social da população residente (COSTA, 2016).

No artigo Reproducing race in the gentrifying city, Katherine Fallon (2021) descreve as razões pelas quais a gentrificação se trata, igualmente, de um fenômeno de segregação étnica. A autora caracteriza o termo como o movimento das classes média e baixa para localidades com custo de vida mais baixo, decorrente de uma modificação da sociedade, cultura e economia no bairro de origem. No período do pós-guerra, nos Estados Unidos, as políticas discriminatórias foram associadas ao estilo de vida nos subúrbios, criando um país cada vez mais segregado. Com o passar dos anos, agravou-se a dificuldade em encontrar emprego e moradia de qualidade, aumentando a pobreza de certas regiões e levando os cidadãos a crer que pobreza e etnia estavam diretamente relacionadas. O caso do bairro de Williamsburg, em Nova Iorque, é um conhecido exemplo de gentrificação. Até os anos 1990, era habitado majoritariamente pela população negra e latina, mas, com o passar dos anos e com o aumento da especulação imobiliária, a população local acabou precisando se mudar para um bairro vizinho, Bushwick, o que acarretou na segregação dos antigos habitantes (ALCÂNTARA, 2018).

Processos conhecidos de gentrificação, no Brasil, vieram como resultado de requalificação urbana de áreas centrais, situações em que se confundem os eufemismos de melhoria urbana e a violência da prática de higienismo social. Casos analisados nas cidades de Salvador (MOURAD, FIGUEIREDO e BALTRUSIS, 2014) e São Paulo (SOMBINI, 2013), mostram a centralidade do Estado como agente que promove ou estimula os processos de gentrificação. Para Eduardo Sombini (2013), a cidade São Paulo está mais vulnerável a sofrer processos de gentrificação por se encontrar em uma encruzilhada de interesses. O caso do bairro de Santa Ifigênia na capital paulista torna-se ainda mais sensível, por se tratar de uma área urbana com grande vulnerabilidade social: como parte de um projeto futuro, o poder público pretende transformar essa região em um bairro nobre, expulsando assim, as famílias de baixa renda que vivem na área.

referências

ALCÂNTARA, Maurício Fernandes de. 2018. "Gentrificação". In: ENCICLOPÉDIA DE ANTROPOLOGIA. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: http://ea.fflch.usp.br/conceito/gentrificação | Acesso em: 21 mai. 2021.

COSTA, Emannuel. O que é gentrificação e por que você deveria se preocupar com isso. [S.l.]: COURB, 4 abr. 2016. Disponível em: http://www.courb.org/o-que-e-gentrificacao-e-por-que-voce-deveria-se-preocupar-com-isso/ | Acesso em: 21 mai. 2021.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17. ed. Tradução: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2008.

FALLON, Katherine F. Reproducing race in the gentrifying city: a critical analysis of race in gentrification scholarship. Journal of Race, Ethnicity and the City, v. 2, n. 1, p. 1-28, 2021. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/26884674.2020.1847006 | Acesso em: 21 mai. 2021.

MATHEMA, Silva. Gentrification: um exame atualizado da literatura. Revista Antropolítica, Niterói, n. 38, p. 87-97, jan./jun. 2015. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/41692 | Acesso em: 21 mai. 2021.

MOURAD, Laila; FIGUEIREDO, Glória Cecília; BALTRUSIS, Nelson. Gentrificação no Bairro 2 de Julho, em Salvador: modos, formas e conteúdos. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 16, n. 32, p. 437-460, nov. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/cm/v16n32/2236-9996-cm-16-32-0437.pdf | Acesso em; 21 mai. 2021.

SMITH, Neil. Toward a theory of gentrification: a back to the city movement by capital, not people. Journal of the American Planning Association, v. 45, n. 4, p. 538-548, October 1979. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01944367908977002 | Acesso em: 21 mai. 2021.

SOMBINI, Eduardo Augusto Wellendorf. A revalorização contemporânea do centro de São Paulo: agentes, concepções e instrumentos da urbanização corporativa (2005-2012). 2013. 196 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências, UNICAMP, Campinas, 2013. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/287338/1/Sombini_EduardoAugustoWellendorf_M.pdf | Acesso em: 21 mai. 2021.

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