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glossário

GLOBALIZAÇÃO

Globalizacao.png

Detalhe de Luzes da Cidade na Terra [Earth City Lights]. Foto da NASA, produzida entre 1994-1995 e divulgada em 2000.
Fonte: Visible Earth, disponível em: https://visibleearth.nasa.gov/images/55167/earths-city-lights  |

De fato, se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização.

Milton Santos, Por uma Outra Globalização, 2001 [2000].
[ p. 18 ]

Edmo Nunes Oliveira Cabral

Hannah Rodrigues Pereira

[ jun. 2021 ]

remissivos

O termo “globalização” ganhou destaque ao final do século XX, como a congruência de processos que tornaram as nações mais integradas do ponto de vista econômico. Segundo definição do Dicionário Houaiss, o verbete é datado dos anos 1960, definido como “ato ou efeito de globalizar-se”, com acepções vindas de campos como Sociologia, Economia Política e Pedagogia (HOUAISS e VILLAR, 2008, p. 1457). No Dicionário de Geografia de Oxford, o verbete “globalization” consta como “O conceito das interações dos fenômenos naturais e humanos em escala global” (MAYHEW, 2003, tradução nossa), sendo o aquecimento global um de seus exemplos. Breves explicações como estas dão um primeiro entendimento sobre processos de escala planetária e acontecimentos que alteraram de forma decisiva a sociedade contemporânea, mas, claramente, não dão conta de toda a complexidade do fenômeno nem de suas implicações sobre o território.

O geógrafo brasileiro Milton Santos (2001, p. 23) apontou as diferenças de percepção do fenômeno por um ponto de vista amplo, a partir do qual a globalização é vista não apenas como um fenômeno que resulta do desenvolvimento de técnicas de informação que encurtaram a distância entre países, como também de processos políticos e econômicos que estenderam o mundo capitalista para além de fronteiras nacionais. Santos observa que o fenômeno da globalização é muito mais abrangente do que apenas uma distribuição comum de conhecimentos e saberes, acrescentando que se trata de uma imposição mercantilista de um padrão de consumo e mesmo de uma visão de política. Uma visão cronológica e histórica dos fatos auxilia a compreender a formação destes processos, como a que nos é oferecida pelo historiador Nicolau Sevcenko:

Nos anos 70, em meio às convulsões causadas pela crise do petróleo, uma série de medidas foi tomada para dar maior dinamismo ao mercado internacional. Os Estados Unidos decidiram abandonar o padrão-ouro como base do mecanismo de sustentação cambial, provocando um efeito de liberalização dos controles cambiais que logo se difundiu para as demais economias desenvolvidas. Essas medidas geraram novos fluxos de capital que, vendo-se agora livres dos controles e restrições exercidas pelos Bancos Centrais, se voltaram para novas oportunidades de investimento no mercado mundial, superando assim os limites tradicionalmente representados pelas fronteiras nacionais. Os grandes beneficiados com essa nova situação foram os capitais financeiros – que poderiam agora especular livremente com as oscilações de valor entre as moedas fortes do mercado internacional – e as chamadas empresas transnacionais. (SEVCENKO, 2001, p. 26-27).

Essa cronologia de fatos de natureza econômica caracteriza os traços iniciais da globalização, impulsionados a partir da liberdade das empresas em atuar no mercado internacional. Milton Santos ajuda nesta compreensão entendendo a globalização como o “[...] ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista. [...]” – considerando tanto a particularidade do evento como sua inserção numa história de longa duração, em que pesa a relação desta fase com o “[...] estado das técnicas e o estado da política” (SANTOS, 2001, p. 23). Ao final do século XX parecia evidente que o processo havia consolidado uma ideologia de mercado, em que nações e empresas competem em uma escala jamais vivida, estendendo-se como um aspecto das culturas e mesmo como um traço das necessidades individuais. A abertura a todos mundos cria a condição para a experiência da simultaneidade e da ampliação de fronteiras, mas sufoca com a imposição do consumo como “denominador comum”. Novamente, de acordo com Santos (2001, p. 56): "Com a globalização impõe-se uma nova noção de riqueza, de prosperidade e de equilíbrio macroeconômico, conceitos fundados no dinheiro em estado puro e aos quais todas as economias nacionais são chamadas a se adaptar. [...]".

Voltando a uma perspectiva mais ampla da globalização, como resultado da modificação nas comunicações e formação de identidades, historiadores da Arquitetura e do Urbanismo reconheceram que o pensamento e produção do campo também foram transformados. Kenneth Frampton (2015, p. 419) e Jean-Louis Cohen (2014, p. 473) entendem que a arquitetura se popularizou, ao final do século XX, com a existência de profissionais com produção global e a propagação da arquitetura icônica e da arquitetura espetacular de alto nível em tipologias complexas. Como efeito da revolução das comunicações de massa e do crescente fluxo de capital, produziu-se uma arquitetura como que se destaca na paisagem e representa valores de estratos da sociedade globalizada. Uma contrapartida às ações que tornam a arquitetura cada vez mais universalizada, devido à globalização, podem ser apontadas nas reflexões de Frampton (1983) sobre o “regionalismo crítico” iniciadas ainda nos anos 1980, como uma atitude crítica que aproxima a arquitetura a elementos vernáculos, reinterpretados para o contexto moderno e que valorizam o conhecimento regional.

referências

COHEN, Jean-Louis. O futuro da arquitetura desde 1889: uma história mundial. Tradução: Donaldson M. Garschagen. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

FRAMPTON, Kenneth. Towards a Critical Regionalism: six points for an architecture of resistance. In: FOSTER, Hal (Ed.). The anti-aesthetic: essays on postmodern culture. Seattle: Bay Press, 1983. p. 16-30.

FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. Tradução: Jefferson Luiz Camargo e Marcelo Brandão Cipolla. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução: Marcos Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Grande dicionário Houaiss da língua portuguesa. [reimp.]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

MAYHEW, Susan. Oxford Dictionary of Geography. [ed. rev. digital.]. Oxford: Oxford University Press, 2003.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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