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glossário

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

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Mapa com propostas do Planejamento Estratégico de Barcelona em 1990. Fonte: Ajuntament de Barcelona (1990, tradução nossa).  |

A banalização, provavelmente, é o maior risco que cerca o planejamento estratégico hoje. Justamente porque se trata de uma estrutura flexível, de um processo relativamente aberto e de um acordo global que tem a força de um "contrato político", mas não de norma jurídica, requer uma vontade de gestão muito forte. No entanto, também se presta a formar parte do "pensamento vago" e a converter-se em uma pseudo-legitima-ção para uma série de ações e projetos conectados apenas no papel.

Jordi Borja e Manuel Castells, “Planes Estratégicos y Proyectos Metropolitanos”, In: Cadernos IPPUR, ano XI, n. 1-2, 1997. [ p. 213, tradução nossa ]

Isabela Costa Damasceno

Natália Menezes Vasconcelos

[ jun. 2021 ]

remissivos

Utilizado pela primeira vez ao final do século XVIII, o termo “estratégia” foi associado, originalmente, a gestões militares, significando movimentos táticos durante as guerras. Ao final da Segunda Guerra Mundial, após a vitória dos aliados, esse termo começou a ser empregado nos espaços corporativos, que concebiam o mercado como um terreno de “guerra a ser vencida”. Foi a partir desse período que o termo estratégia se tornou mais conhecido e aplicado a outros círculos sociais, consolidando-se a partir de 1962, quando Alfred Chandler utiliza o termo “estratégia empresarial” no livro Strategy and structure: chapters in the history of the industrial enterprises, publicado pela Universidade de Harvard (NOVAIS, 2010).

Nos anos seguintes, ocorreu um notável aumento do emprego do planejamento estratégico na gestão de grandes empresas norte-americanas, até que, no início da década de 1980, começou a ser aplicado na gestão de cidades em Illinois, nos Estados Unidos. A sua apropriação para a escala do território introduz um olhar empresarial sobre a cidade que tem, como principais objetivos, a organização e otimização do espaço urbano, bem como o desenvolvimento econômico e social. Sua grande ascensão nas metrópoles se deu pela constante competição das cidades pelas oportunidades de investimentos de capitais em um quadro constituído pela globalização da economia.

Em estudo sobre a emergência e difusão deste modelo de planejamento, Pedro Novais (2010) descreve um entendimento geral de que a empresa ideal – entendida, aqui, como cidade-empresa – deveria ser enxuta, orientada ao cidadão, organizada, conectada e autogerida. Um dos pressupostos do planejamento estratégico é que seja uma ação conjunta entre diferentes instâncias atuantes na cidade de forma a ter um retrato mais fidedigno do território e de seus habitantes (BORJA e CASTELLS, 2003), criando, assim, uma composição de interesses públicos e privados que mantém um equilíbrio entre o capital e o social. Borja e Castells ressaltam a importância das técnicas de autogestão da cidade que possibilitem uma manutenção constante em resposta às mudanças no ambiente. Os projetos resultantes desse planejamento nada mais são do que uma reação às condições existentes em forma de diretrizes que devem ser percebidas em um prazo máximo de cinco anos.

Um dos principais exemplos de aplicação do planejamento estratégico urbano veio da cidade de Barcelona, na Espanha. O contexto que favoreceu a experiência se deu na passagem entre as décadas de 1980 e 1990, quando havia uma percepção de crise iminente em relação às autonomias regionais. Tal questão era vista como um risco à estabilidade do poder central espanhol, além de evidenciar um conflito entre a unidade espanhola e a identidade catalã. Barcelona buscava maior interação com a Europa, e existia, assim, uma atmosfera internacionalista. Além da crise política e das mudanças econômicas, possuía problemas habitacionais significativos e de infraestrutura urbana, ocasionados pelo intenso processo de urbanização impulsionado desde os anos 1960.

A preparação para as Olimpíadas, realizadas em 1992, foi vista como um “[...] artifício para atravessar escalas, ou seja, articular Barcelona ao restante da Europa, sem a mediação de Madri.” (NOVAIS, 2010, p. 101). O preparativo para os jogos serviu como argumento para um novo projeto de cidade, de espaços mais amplos e, supostamente, inclusivos. O evento fez da cidade um marco da integração da Espanha com o continente europeu, além de ter permitido a reafirmação da identidade catalã. A questão urbana no que se convencionou chamar de “modelo Barcelona” (NOVAIS, 2010), no entanto, foi reduzida ao problema do espaço físico, com uma estratégia política que buscou gerar efeito redistributivo, através de intervenções pontuais e dispersas. O programa de intervenções isoladas, planejado inicialmente, foi substituído por grandiosas operações urbanísticas que resultaram em um grande projeto de cidade. Essas intervenções foram possibilitadas devido ao grande volume de recursos privados, diferentemente do que acontecia na década anterior, quando as intervenções urbanísticas eram custeadas pelo setor público. A partir desse momento, nota-se uma mudança na orientação das políticas urbanas e nos processos decisórios. Havia prazos e calendários de atividades, maior controle exclusivo dos jogos e o uso de capital misto, fatores que deixaram em segundo plano a participação e a orientação diretas do governo local.

O chamado “modelo Barcelona” foi um importante marco para a consolidação do planejamento estratégico, apoiando-se em grande medida no discurso que busca a otimização e melhoramento do espaço urbano a partir de um olhar empresarial para as questões do território. Sua ampla difusão se fez acompanhar por sérias críticas. Mesmo alguns de seus teóricos mais destacados, como Jordi Borja e Manuel Castells (1997; 2003), reconhecem a tendência à banalização dessa estratégia. Reflexões mais pungentes sobre este modo de planejamento incluem críticas à formação de consensos e à transformação da cidade em uma mercadoria (VAINER, 2002), bem como sua relação próxima com o chamado urbanismo corporativo (FERNANDES, 2013).

referências

AJUNTAMENT DE BARCELONA. Pla Estratègic Econòmic i Social Barcelona 2000. Barcelona: Ajuntament de Barcelona, 19 mar. 1990. Disponível em: https://pemb.cat/public/docs/35_wn_9_ls_iplaestrategiceconomicisocialbcn2000.pdf | Acesso em: 31 mar. 2021.

BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Planes estratégicos y proyectos metropolitanos. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, ano XI, n. 1-2, p. 207-231, jan./dez. 1997. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ippur/issue/viewFile/273/82 | Acesso em: 21 mai. 2021.

BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Local & global management of cities in the information age. [reimp.]. Londres; Nova Iorque: Earthscan, 2003.

CASTELLS, Manuel; BORJA, Jordi. As cidades como atores políticos. Novos Estudos CEBRAP,  São Paulo, n. 45, p. 152-166, jul. 1996. Disponível em: http://memoriadasolimpiadas.rb.gov.br/jspui/handle/123456789/85 | Acesso em: 21 mai. 2021.

FERNANDES, Ana. Decifra-me ou te devoro: urbanismo corporativo, cidade-fragmento e dilemas da prática do Urbanismo no Brasil. In: GONZALES, Suely; FRANCISCONI, Jorge; PAVIANI, Aldo (org.). Planejamento e Urbanismo na atualidade brasileira: objeto, teoria, prática. São Paulo; Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2013. p. 83-107.

NOVAIS, Pedro de. Uma estratégia chamada “Planejamento Estratégico”: deslocamentos espaciais e atribuição de sentidos na teoria do planejamento urbano. Rio de Janeiro: 7Letras, 2010.

VAINER, Carlos B. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Erminia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 3. ed. Petrópolis, Vozes, 2002. p. 75-103.

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