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glossário

TIPOLOGIA

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Complexo Gallaratese – no primeiro plano, o bloco projetado por Aldo Rossi, como reinterpretação do típico ballatoio milanês, em contraste ao conjunto de Carlo Aymonino. Foto de Leandro Cruz.  |

Outra questão que requer uma consideração particular é a da tipologia de relação do edifício com o entorno. Nas cidades europeias, o lento ritmo das transformações permite a proposição da análise dos tipos históricos, como base para o projeto da cidade, considerando-os como a matéria-prima mais sólida do tecido urbano. Em nossas cidades, em contínua transformação e rápido ritmo de mudança, a análise histórica não pode deter-se no descobrimento de tipos, na descrição das mudanças e na interpretação das respectivas causas. [...]

Marina Waisman, O Interior da História, 2013 [1990]. [ p. 117, grifo da autora ]

Raimundo Nonato dos Santos

[ jun. 2021 ]

remissivos

A tipologia pode ser entendida como o estudo ou percepção dos tipos, que conceitualmente ou por intuição se diferem e, sistemicamente, se fazem necessários para definir diferentes categorias. O termo é abrangente e se manifesta em distintas áreas do conhecimento. No Dicionário Houaiss, as acepções do termo estão relacionadas ao campo das artes gráficas, sendo o verbete definido, primordialmente, como o “estudo sistematizado dos caracteres tipográficos, esp. no que se refere ao desenho das fontes ou famílias de tipos”; já com relação ao verbete “tipo”, a variedade de acepções e contribuições de outros campos é muito maior, iniciando-se com uma definição mais vaga, como “objeto ou coisa que serve ou se usa para produzir outro igual ou semelhante; modelo” (HOUAISS e VILLAR, 2008, p. 2722). Embora costumem ser relacionados como sinônimos, na teoria arquitetônica busca-se diferenciar tipo de modelo, sendo o primeiro tratado mais como um conceito, de natureza irreprodutível, que serve de regra ou referência para a produção dos modelos. Uma primeira síntese moderna desta compreensão aparece no Dicionário Histórico de Arquitetura de Quatremère de Quincy, no século XIX: “[...] Tudo é preciso e determinado no modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo. [...]” (QUINCY, 1832, p. 629, tradução nossa, grifo do autor).

O debate sobre a tipologia arquitetônica amplia-se consideravelmente a partir da década de 1960, como reação crítica à arquitetura moderna, entendida ora como a estrutura formal das cidades, ora como uma estratégia de investigação e projeto nas escalas da arquitetura e do urbano (STRÖHER, 2001; FERFEMAN, 2009; PEREIRA, 2012). Para Rafael Moneo, o estudo sobre a tipologia leva, antes de tudo, a uma reflexão sobre a natureza da obra arquitetônica: ao mesmo tempo em que se expressa em sua individualidade, também pertence a determinada “classe” de objetos que se repetem. Isto o leva a teorizar sobre o conceito de tipo:

O que é então o tipo? Ele pode ser definido, simplesmente, como um conceito que descreve um grupo de objetos caracterizados pela mesma estrutura formal. Ele não é nem um diagrama espacial nem a média dentro de uma série. Ele se baseia, fundamentalmente, na possibilidade de agrupar objetos por meio de certas similaridades estruturais inerentes. Poder-se-ia mesmo dizer que tipo significa o ato de pensar em grupos. Por exemplo, pode-se falar de arranha-céus em geral; mas o ato de agrupar leva a falar dos arranha-céus como enormes palácios renascentistas deformados, torres góticas, pirâmides fragmentadas, placas brilhantes... Então, conforme torna-se cada vez mais preciso, introduzem-se outros níveis de agrupamento, descrevendo assim novas classificações de tipos. Termina-se com o nome de um edifício específico. Assim a ideia de tipo, que pretensamente exclui a individualidade, acaba tendo que retornar às suas origens na obra singular. (MONEO, 1978, p. 23, tradução nossa)

A tipologia constituiu uma das marcas da chamada Escola de Veneza (PEIXOTO, 2020), sendo objeto de estudo por parte de autores como Saverio Muratori, Giulio Carlo Argan, Ludovico Quaroni, Carlo Aymonino e Aldo Rossi. Um exemplo de sua aplicação pode ser apontado no Complexo Gallaratese em Milão, mais especificamente no bloco projetado por Rossi, a convite de Aymonino, em que o arquiteto italiano reinterpreta o ballatoio, típico edifício habitacional dos bairros operários milaneses. Deve-se considerar, no entanto, sua ampla difusão no continente europeu, motivo pelo qual seria mais preciso inserir a tipologia nos debates sobre o Neorracionalismo e o Historicismo. Numa revisão cuidadosa sobre o termo, Marina Waisman enfatiza a relação entre tipologia e estudos da linguagem e insere sua emergência no debate arquitetônico contemporâneo num contexto mais amplo, como resposta à crise da ideologia do movimento moderno. Ainda segundo a historiadora argentina, o estudo e aplicação das tipologias deve ocorrer em consonância com as condições locais – considerando-se o ponto de vista da tecnologia e da produção, entre outros aspectos – de modo a favorecer a “[...] realização de uma cultura arquitetônica livre de laços coloniais.” (WAISMAN, 2013, p. 119).

O apego que o termo provoca parte da necessidade de poder, a partir da observação intuitiva ou a partir de metodologia sistemicamente embasada, propor categorias aos diversos elementos edilícios que compõem a paisagem, que formam a rua, o bairro, a estruturação da cidade e toda a relevância apreendida com a arquitetura nela presente, que traz conceitos e heranças culturais, e que a partir de então permita a classificação de elementos, associada a traços que os colocam numa mesma família, embora como expresso anteriormente, compostos por elementos que não mantem entre si semelhança alguma, mas mesmo assim, permitem que seja estabelecida uma regra sistêmica para a construção  de um modelo que tenha relevância e auxilie na tipificação e entendimento dos elementos arquitetônicos formadores da cidade.

referências

FERFEMAN, Milton Vitis. Caos e ordem: origens, desenvolvimentos e sentidos do conceito de tipologia arquitetônica. In: OLIVEIRA, Beatriz Santos de et. al. (org.). Leituras em Teoria da Arquitetura, 1: conceitos. Rio de Janeiro: Viana & Mosley, 2009. p. 47-69.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Grande dicionário Houaiss da língua portuguesa. [reimp.]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

MONEO, Rafael. On typology. Oppositions, Nova Iorque, n. 13, p. 22-45, Summer 1978.

QUINCY, Quatremère de. Dictionnaire historique d'architecture, tome 2. Paris: Librerie d’Adrian Le Clère et Cie, 1832. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1045596f/f9.double# | Acesso em: 21 mai. 2021.

PEIXOTO, Elane Ribeiro. As dimensões da Escola de Veneza. Paranoá: Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, Brasília, n. 25, p. 1-13, 2020. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/paranoa/article/view/29199 | Acesso em: 21 mai. 2021.

PEREIRA, Renata Baesso. Tipologia arquitetônica e morfologia urbana: uma abordagem histórica de conceitos e métodos. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 146.04, Vitruvius, jul. 2012. Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.146/4421 | Acesso em: 21 mai. 2021.

ROSSI, Aldo. Due progetti. Lotus International, Milão, n. 7, p. 62-85, 1970.

ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. Tradução: Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

STRÖHER, Eneida Ripoll. Considerações sobre o conceito de tipologia arquitetônica. In: STRÖHER, Eneida Ripoll (org.). O tipo na arquitetura: da teoria ao projeto. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001. p. 25-41.

WAISMAN, Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para uso de latino-americanos. Tradução: Anita Di Marco. São Paulo: Perspectiva, 2013.

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