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glossário

URBANISMO TÁTICO

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Varanda Products (c. 2014), do escritório RUA Arquitetos + equipe da ETH Zürich, incluído na exposição Uneven Growth (2014-2015) do MoMA. Fonte: http://www.varandaproducts.com/

O urbanismo tático pode ser narrado como uma alternativa autoevidente ao urbanismo neoliberal; mas, devemos perguntar: sendo este realmente o caso, como, onde, sob que condições, por quais métodos, quais consequências e para quem? O esclarecimento destas questões (inegavelmente complicadas) é essencial para se fazer qualquer consideração mais séria dos potenciais e limites do urbanismo tático em condições contemporâneas.

Neil Brenner. "Seria o 'urbanismo tático' uma alternativa ao urbanismo neoliberal?", trad. Pedro Paulo Machado Bastos, In: e-metropolis, n. 27, dez. 2016 [2015]. [ p. 10 ]

Eduarda Toscano de Carvalho

[ jun. 2021 ]

remissivos

ur•ba•nis•mo  tá•ti•co

1. intervenções temporárias, individuais ou coletivas, que tratam problemas urgentes com efeito imediato, reagindo ao urbanismo usual e promovendo o direito à cidade e a justiça social;

2. ações urbanas de curto prazo que podem servir como referência para uma intervenção de longo prazo;

3. práticas urbanas, em diferentes escalas, aplicadas como uma reação contra a soberania do Estado-capital que rege a criação das cidades e a manifestação da vida nos espaços públicos.

A palavra "tática", relacionada ao modo com que as pessoas operam suas vidas cotidianas e lidam com o espaço urbano, foi tratada originaomente por Michel de Certeau em A invenção do cotidiano, obra publicada em 1980. O conceito de tática, de acordo com a definição de Certeau, é tido como a habilidade do mais fraco em se aproveitar das oportunidades de ação nas aberturas do sistema existente. A ação tática é marcada pela ausência de poder, pois não isola o indivíduo do ambiente, além de não possuir autonomia e ser realizada em um terreno pré-determinado, ou seja, já organizado por leis externas. “Em suma, a tática é a arte do fraco. [...]” (CERTEAU, 1998, p. 101).

Na primeira década do século XXI, o termo “urbanismo tático” ganha ampla visibilidade, fazendo referência a intervenções urbanas temporárias, formais e informais, que rejeitam as práticas do urbanismo hegemônico ou tecnocrático. Entre 2014-2015, foi o tema central da exposição Uneven Growth [Crescimento Desigual], realizada no The Musem of Modern Art (MoMA). Para Barry Bergdoll (2014), curador-chefe do museu, o urbanismo tático foi utilizado para designar um movimento pragmático que reage contra o planejamento holístico e genérico. Pedro Gadanho, curador da exposição, entende que o urbanismo tático vem de “[...] apropriações criativas e engenhosas das condições conflituosas da cidade contemporânea [...]” e se manifesta em ações, objetos e processos de ocupação na escala do urbano, da moradia e da infraestrutura, incluindo usos ilegais e temporários do espaço público, bem como lutas pelo direito à cidade (GADANHO, 2014, p. 19). Trata-se de um conceito bastante elástico, aplicado tanto às intervenções “de guerrilha”, que operam em transformações a curto prazo e em pequena escala, quanto a situações inseridas em redes mais amplas.

A mesma amplitude de operações está presente na interpretação que Mike Lydon e Anthony Garcia (2015) dão ao urbanismo tático, entendido por eles como um conjunto de ações escalonáveis que fazem parte de um propósito maior. Tais ações seriam intervenções de curto prazo, autorizadas ou não, sempre pautadas na execução mais rápida, mais barata e mais fácil, podendo ser produzidas pela sociedade, de maneira individual ou em grupo, ou por governos e empresas. Seu caráter provisório possibilitaria a experimentação de soluções a serem aprimoradas para uma execução definitiva. O autores propõem uma insuspeita correlação entre o urbanismo tático e o movimento do Novo Urbanismo (New Urbanism), iniciado em meados dos anos 1990, afirmando que a abordagem mais recente complementa a anterior, acrescentando às suas preocupações as questões de programa e a atenção ao cotidiano no uso dos espaços (LYDON e GARCIA, 2015, p. 61).

Este debate vem sendo acompanhado de perto pelo campo acadêmico. Em uma resenha sobre a exposição Uneven Growth, Neil Brenner (2016) questiona a extensão do alcance crítico do urbanismo tático, ao mesmo tempo em que, num esforço de síntese, identifica “pontos de convergência” em meio às diferentes contribuições trazidas pelo evento. Identifica, por fim, a criação de condições para repensar as potencialidades do projeto como “ferramentas de capacitação para os usuários do espaço urbano” (BRENNER, 2016, p. 18), ainda que o assunto não possa ser dado como resolvido. Em pesquisas acadêmicas como as de André Moraes de Almeida (2016) e de Ana Carolina Farias (2018), exploram-se tanto a dimensão conceitual quanto o repertório de ações, projetos e processos que podem ser considerados como parte desta maneira de pensar-fazer o urbanismo.

As diferentes escalas de intervenção do urbanismo tático, muitas vezes, expõem paradoxos que se encontram entre seus propósitos e sua capacidade real de atuação. Parece difícil relacionar a pequena escala de algumas ações táticas e as proporções dantescas das crises urbana e econômica mundiais, que necessitam de tratamento urgente. Entendemos, ainda assim, que busca-se promover uma atuação “de baixo para cima” nas cidades, atendendo aos anseios da comunidade local, como oposição ao planejamento hegemônico, que ainda vigora nas estratégias do poder público e do grande capital.

referências

ALMEIDA, André Moraes de. Urbanismo tático: da experiência do fazer a um urbanismo afetivo. 2016. 177 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/27630 | Acesso em: 21 mai. 2021.

BERGDOLL, Barry. Preface. In: GADANHO, Pedro (ed.). Uneven growth: tactical urbanism for expanding megacities. Nova Iorque: MoMA, 2014. p. 11-13.

BRENNER, Neil. Seria o “urbanismo tático” uma alternativa ao urbanismo neoliberal?. Trad. Pedro Paulo Machado Bastos. e-metropolis, Rio de Janeiro, ano 7, n. 27, p. 6-18, dez. 2016. Disponível em: http://emetropolis.net/system/artigos/arquivo_pdfs/000/000/201/original/emetropolis27_capa.pdf?1485998522 | Acesso em: 21 mai. 2021.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano, 1: artes de fazer. 3. ed. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1998.

FARIAS, Ana Carolina. Taxonomia do urbanismo tático: uma proposta para leitura, compreensão e articulação das táticas urbanas emergentes. 2018. 273 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018. Disponível em: https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/8507 | Acesso em: 21 mai. 2021.

GADANHO, Pedro. Mirroring uneven growth: a speculation on tomorrow’s cities today. In: GADANHO, Pedro (ed.). Uneven growth: tactical urbanism for expanding megacities. Nova Iorque: MoMA, 2014. p. 15-25.

LYDON, Mike; GARCIA, Anthony. Tactical urbanism: short-term action for long-term change. Washington: Island Press, 2015.

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