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glossário

CIDADE-JARDIM

Cidade-Jardim.png

Diagrama com os três Ímas da Cidade-Jardim, mostrando a integração entre Cidade e Campo. Fonte: Howard (1898).

Diagrama da Administração, com Conselho Central e grupos que compõem a gestão da Cidade. Fonte: Howard (1898).

[...] Mas, afortunadamente, a terra ao redor da Cidade-Jardim não está em mãos de indivíduos privados: está nas mãos do povo e deverá ser administrada não no suposto interesse de poucos, nas no real interesse de toda a comunidade. Ora, há poucas coisas tão zelosamente guardadas pelo povo quanto seus parques e espaços abertos, e creio que podemos ficar seguros que o povo da Cidade-Jardim não permitirá nem por um só momento que a beleza de sua cidade seja destruída pelo processo de crescimento. [...]

Ebenezer Howard, Cidades-Jardins de Amanhã, trad. Maurco Aurélio Lagonegro, 1996 [1898; 1902]. [ p. 187 ]

Victor Caeyron Mateus Silva

[ jun. 2021 ]

remissivos

A criação do movimento Cidade-Jardim, antes mesmo das primeiras experiências construídas na Inglaterra e de sua ampla difusão como modelo urbano, remonta à publicação, em 1898, do livro de Ebenezer Howard To-Morrow: a paceful path to real reform [Para-Amanhã: um caminho pacífico para a reforma autêntica, em tradução livre], reeditado pelo próprio Howard em 1902, quando passou a se chamar Garden Cities of to-morrow [Cidades-Jardins de amanhã] (HOWARD, 1898; 1902; 1996). Inspirado em um romance utópico de Edward Bellamy, o livro apresenta uma visão de cidade ideal como alternativa aos rumos da industrialização e logo tornou-se um documento paradigmático para o urbanismo moderno (CHOAY, 1992; HARVEY, 2006; TREVISAN, 2020).

A proposta de Ebenezer Howard para resolver os problemas das cidades inglesas consistia em aliar as qualidades do campo às da cidade em um único espaço. O autor respondia às péssimas condições de vida a que a maioria da população inglesa estava submetida, marcada pela insalubridade e ocorrência de epidemias. O autor expõe de forma clara as vantagens e desvantagens do campo e da cidade: se, por um lado, a cidade traz muitas oportunidades de lazer, nela as longas jornadas de trabalho são exaustivas; a cidade é onde se encontram altos salários, oportunidades de emprego e progresso, mas os aluguéis e custo de vida são mais altos, além da poluição. No campo, destaca-se a presença da natureza, a pureza do ambiente, os aluguéis mais baixos, assim como o custo de vida, mas contrapõem-se a isso os baixos salários e a falta de diversão.

 

O autor apresenta um diagrama que sintetiza seu pensamento, composto por três imãs que capturam o que há de bom em cada ambiente – o urbano e o campo – para compor uma condição ideal de cidade. Os Ímã-Cidade e Ímã-Campo atraem para seus respectivos campos magnéticos as vantagens e desvantagens de cada local. Para Howard, as condições isoladas não proporcionariam ao homem uma vida plena, com isso os dois ímãs devem tornar-se um só, o Ímã Cidade-Campo. A cidade foi concebida em um terreno de 2.400 hectares, ocupado a partir de um centro com superfície de 400 hectares. Em outro diagrama de Howard, uma forma circular com raio de 1.130 metros é marcada por seis bulevares de 36 m, que atravessam a cidade do centro à circunferência externa, arborizados, assim como todas as ruas da cidade.

 

Howard também deu prescrições para edificações e áreas verdes da Cidade. Os edifícios públicos mais relevantes seriam localizados em uma área central, dispostos em torno de um jardim de 2 hectares. Haveria um parque público de 58 hectares delimitado por uma edificação em vidro denominada “Palácio de Cristal”, abrigando um jardim de inverno, onde haveria comércio de diversos produtos produzidos na cidade. Além disso, seria um ponto de encontro da comunidade, abrigo e convite ao parque em épocas de clima chuvoso ou incerto. Próximo ao Palácio Cristal haveria a Quinta Avenida, ocupada em uma de suas laterais por casas bem construídas em terreno próprio. Haveria em média 5.500 terrenos com tamanho médio de 6,5 m x 44 m, sendo o espaço mínimo de 6,5 m x 33 m. A avenida central, com 125 m de largura, forma um cinturão verde de mais de 5 km de comprimento envolvendo a cidade e a divide em duas partes que se estendem, formando um parque adicional de 50 hectares. Nesta avenida haveria seis áreas, cada uma com 1,5 hectares, ocupadas por escolas públicas e pelas quadras de jogos e jardins. Outras áreas seriam destinadas a igrejas, cujas denominações seriam determinadas pela população de acordo com suas crenças. As casas ao longo da Avenida Central possuiriam as fachadas em meia-lua, com a finalidade de ampliar a visão da via.

A disposição de fábricas, lojas, mercados e depósitos estariam previstos para o anel exterior da cidade, ao longo de uma linha férrea que a circundaria e se comunicaria com ramificações de linhas férreas adjacentes. Essa disposição se mostra extremamente eficiente, para carga e descarga de produtos, além de manter a poluição restrita à porção externa da cidade, o tráfego interno não seria impactado ao privilegiar a locomoção dos usuários da cidade. A região agrícola, por sua vez, seria explorada e cultivada individualmente em forma de fazendas grandes e pequenas, com os resíduos da cidade sendo reaproveitados como adubo. A Cidade-Jardim pressupunha grande liberdade no modo de cultivo e na organização dos trabalhadores, podendo haver um só proprietário ou mesmo uma cooperativa deles. A liberdade econômica é outro fator a ser apontado, pois a venda da produção da cidade, agrícola ou manufatura, poderia ocorrer dentro da cidade ou fora dela. O monopólio no fornecimento dos serviços comuns à população, algo comum nos dias de hoje, não seria incentivado, pelo contrário, diversas empresas teriam oportunidade de fornecer seus produtos e serviços. Essa liberdade individual, mas com senso comunitário, é algo que chama atenção. Oferecer a todos a mesma qualidade de vida e oportunidades pode ser considerado utópico, na sociedade atual, mas seria assim tão impossível alcançar esse propósito?

Caso o limite populacional da cidade fosse atingido, ela poderia ser expandida. Desse modo, estabelecer-se-ia uma nova cidade em torno da cidade principal com as mesmas características. Essa nova unidade seria interligada à cidade principal através de linhas férreas, levando em consideração o tempo de locomoção entre elas, de aproximadamente 12 minutos.

O plano de Howard despertou grande interesse, chegando a ser aplicado em duas cidades inglesas, Letchworth e Welwyn, antecedendo a difusão do modelo em diversos países na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Embora seja mais diretamente associado aos bairros Jardim América e Pacaembu, em São Paulo, a recepção das ideias do movimento Cidade-Jardim no país também se deu em outras cidades brasileiras, a exemplo de Recife, Salvador, Goiânia e Brasília (OTTONI e SZMRECSANYI, 1997; BIZZIO e ZUIN, 2016; FERREIRA e GOROVITZ, 2009).

referências

BIZZIO, Michele R.; ZUIN, João Carlos Soares. A apropriação do ideário cidade-jardim nos condomínios residenciais fechados brasileiros. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 198.00, Vitruvius, nov. 2016. Disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.198/6300 | Acesso em: 21 mai. 2021.

CHOAY, Françoise. O Urbanismo: utopias e realidades. 3. ed. Tradução: Dafne Nascimento Rodrigues. São Paulo: Perspectiva, 1992.

FERREIRA, Marcílio Mendes; GOROVITZ, Matheus. A invenção da superquadra. Brasília: IPHAN-DF, 2009.

FISHMAN, Robert. Urban utopias in the twentieth century: Ebenezer Howard, Frank Lloyd Wright, Le Corbusier. Cambridge: The MIT Press, 1982.

HARVEY, David. Espaços de esperança. Tradução: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2006.

HOWARD, Ebenezer. To-morrow: a peaceful path to real reform. Londres: Swan Sonnenschein & Co., 1898.

HOWARD, Ebenezer. Garden Cities of to-morrow. [2. ed.]. Londres: Swan Sonnenschein & Co., 1902.

HOWARD, Ebenezer. Cidades-Jardins de amanhã. Tradução: Maurco Aurélio Lagonegro. São Paulo; Hucitec, 1996.

OTTONI, Dácio Araújo Benedicto; SZMRECSANYI, Maria Irene de Queiroz Ferreira. Cidades-Jardins: a busca do equilibrio social e ambiental 1898-1998. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo; FAUUSP, 1997.

TREVISAN, Ricardo. Cidades novas. Brasília: Editora UnB, 2020. Disponível em: https://livros.unb.br/index.php/portal/catalog/book/62 | Acesso em: 21 mai. 2021.

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