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glossário

UNIDADE DE VIZINHANÇA, SUPERQUADRAS, BLOCOS

Unidade-Vizinhanca.png

Vista de uma Superquadra em Brasília, na transição entre o CLN 205/206 (Babilônia) e a SQN 206. Foto e montagem das autoras.

Para conciliar a escala monumental, inerente à parte administrativa, com a escala menor, íntima, das áreas residenciais, imaginei as superquadras – grandes quadrados com 300 m de lado – que propus cercadas em toda a volta por uma por uma faixa de 20 m de largura plantada com renques de árvores cujas copas se tocam, que mexem com o vento e respiram, formando, assim, em vez de muralhas, enquadramentos vivos, abrindo para amplos espaços internos. [...].

COSTA, Lucio. Eixo Rodoviário-Residencial. In: COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. 3. ed. São Paulo: Edições SESC; Editora 34, 2018. p. 308-310. [ p 308 ]

Ana Carolina B. Cordeiro

Lara da Costa

Thamires Nayane

Os conceitos de Unidade de vizinhança e Superquadra se desenvolveram a partir de elementos das Cidades-Jardins e de outras experiências da arquitetura e do urbanismo modernos, em grande medida formuladas no continente europeu, em meio a processos de urbanização que se seguiram à Revolução Industrial e, mais adiante, o entreguerras. No segundo pós-guerra, a indústria teve um grande impulso e permeou, fortemente, o planejamento das cidades, momento em que foram concretizadas grandes obras que respondiam a teorias urbanísticas dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs). Os arquitetos propuseram soluções não apenas para as cidades, mas também para as habitações, conferindo grande importância à moradia social. Devido a aspectos econômicos, muitas experiências foram realizadas com a padronização dos conjuntos habitacionais.

Le Corbusier foi um dos importantes protagonistas desse contexto, apresentando suas ideias através de manifestos, publicações de livros e revistas, além, claro, de projetos e obras. A cidade moderna proposta pelo arquiteto franco-suíço se deu na esfera das hipóteses, sendo um meio para exemplificar suas teorias, tais como a desobstrução dos centros urbanos por meio do aumento do gabarito edilício, criação de jardins entre bairros, formas eficazes e rápidas de circulação e acréscimo de áreas verdes. Segundo Le Corbusier, a cidade deveria ser organizada para satisfazer quatro funções básicas, entendidas por ele como Chaves do Urbanismo: “HABITAR, TRABALHAR, RECREAR-SE (NAS HORAS LIVRES), CIRCULAR” (LE CORBUSIER, 1993). As soluções para a habitação dariam a base para o desenvolvimento de equipamentos urbanos, atividades culturais e sociais. Esse arranjo, por sua vez, configurou um módulo urbano que convergiu para o conceito de Unidade de Vizinhança idealizado por Clarence Perry, em 1929, que propunha a implantação de áreas comuns e equipamentos urbanos junto às habitações, de modo a criar vínculos entre moradores e vizinhos. Este conceito foi rapidamente difundido e logo foi incorporado e desenvolvimento por outros expoentes do movimento moderno.

As propostas realizadas pelas vanguardas modernistas ganharam notoriedade internacional, em decorrência de suas características inovadoras e da alta capacidade de interlocução entre seus agentes. Contudo, foram feitas duras críticas pela visão estreita de cidade, pautada quase exclusivamente pelo racionalismo e funcionalismo. Apesar de o Brasil não ter a mesma situação socioeconômica da Europa, muitos das experiências europeias foram tomadas como referências para novas estratégias de urbanização das cidades brasileiras. O modelo de Cidade-Jardim pode ser tomado como um dos mais importantes.

Em 1956, foi lançado o Edital para o Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital. Ao analisar as propostas enviadas, nota-se a busca era por um traçado urbano que pudesse se tornar uma referência de modernidade para o país. A proposta vencedora e que foi implementada após revisões, de Lucio Costa, é marcada por importantes reinterpretações da tradição de construção de cidades, bem como das contribuições do pensamento urbanístico do século XX, a exemplo do conceito de Unidade de Vizinhança:

Nesse sentido, sua obra pode ser vista como reelaboração de vários elementos, na qual a monumentalidade e a representatividade da Capital da República se relacionam com o bucolismo de seus espaços residenciais. Tomando a superquadra como unidade, e toda a cidade como um conjunto, há um elemento integrador: a cada quatro superquadras, seria estruturado um sistema composto por unidades habitacionais, serviços e equipamentos públicos, de modo a criar um ambiente parecido com um pequeno bairro, e que chamamos de Unidade de Vizinhança. [...] (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2015, p. 52)

[ Fig. 1 ]
Croquis de Lucio Costa para o Relatório do Plano Piloto, com esquemas do que foi chamado, incialmente, de “super-quadras”. Fonte: Costa (1991).

[ Fig. 2 ]
Detalhe de croquis de Lucio Costa para o Plano Piloto [1970-1979]. Na legenda, lê-se, em tradução livre: “BRASILIA – UNIDADES DE VIZINHANÇA (S/QUADRAS)". Fonte: Acervo Lucio Costa. Disponível em: https://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/2354 | Acesso em: 15 dez. 2021.

A Unidade de Vizinhança (UV) tem como característica sua relativa autonomia em relação à cidade e por contar com uma oferta de serviços públicos e privados, incluindo jardim de infância, escola primária, banca de revistas na via de entrada, comércio local; além de equipamentos privados e institucionais como escola secundária, cinema, clube e igreja. As dimensões das unidades têm, como um de seus princípios reguladores, os equipamentos educacionais, de tal forma que esses fiquem sempre a curtos deslocamentos das habitações. Lucio Costa planejou que as edificações possuíssem composições variadas, mas “obedecendo” a dois princípios gerais:

[...] gabarito máximo uniforme, talvez seis pavimentos e pilotis, e separação do tráfego de veículos do trânsito de pedestres, mormente o acesso à escola primária e às comodidades existentes no interior de cada quadra. (COSTA, 1991)

[ Fig. 3 ]
Espécies arbóreas comuns, atualmente, a várias Superquadras. Da esquerda para a direita: Ipê Amarelo (Tabebuia Alba), Jacarandá (jacaranda mimosifoia) e  Jequitibá (cariniana brasiliens). Montagem das autoras.

Os blocos residenciais permitem diversas relações para quem vive e transita pelo local. A determinação dos limites espaciais para quem está transitando no interior das superquadras é bastante complexa. O pavimento do pilotis, por exemplo, configura-se tanto como espaço de transição quanto abrigo, além de servir como enquadramento da paisagem. Tais relações entre os blocos e os usuários dependem da qualidade de interação do próprio indivíduo, bem como da dinâmica compositiva dos blocos que emolduram as superquadras, potencializando uma conexão entre o individual e o público.

[ Fig. 4 ]
Diferentes soluções para a tipologia dos blocos residenciais. Fonte: Ferreira e Gorovitz, 2020.

Ainda que tenha sido idealizada para ser reproduzida em todo o Plano Piloto, a Unidade de Vizinhança, conforme idealizada por Lucio Costa, teve seu programa de necessidade desenvolvido de forma plena somente nas Superquadras 107, 307, 108 e 308 da Asa Sul. Ainda assim, apesar de ter nas chamadas "quadras modelo" uma representação fiel de sua proposta, o arranjo geral das Superquadras não respondeu aos intuitos de Costa, como assim deu a entender o arquiteto em 1961, em entrevista para o Jornal do Brasil:

[...] Considero a Praça dos Três Poderes uma obra de rara beleza. Já em outros aspectos o Plano Piloto não foi obedecido ainda, como, por exemplo, nas superquadras. O que se queria era formar de quatro superquadras uma Unidade de Vizinhança, em que convivessem pelo menos três níveis sociais. As mais próximas de eixo seriam, logicamente, as mais valorizadas e a gradação se faria através da programação e das especificações. As habitações mais económicas não teriam certos acabamentos e comodidades consideradas indispensáveis pelo pequeno burguês, a fim de evitar o perigo sempre presente de, uma vez prontas, ficarem tão boas ou tão caras que fossem ocupadas por outros que não aqueles a que se destinavam. Isto aconteceu a Le Corbusier, no conjunto de Marselha, em que a classe média ocupou os apartamentos projetados para operários , e passou, então, a reclamar a falta disso ou daquilo. Ainda é tempo de evitar-se que o mesmo aconteça em Brasília.  Niemeyer está estudando com os técnicos, atualmente, processos de pré-fabricação a fim de baratear o custo das construções e permitir realizar o que se pretende no Plano Piloto. (COSTA, 1961, grifo do autor).

[ Fig. 5 ]
Espaço Cultural Renato Russo, visto a partir da W3 Sul em direção à Superquadra 308 Sul. Foto das autoras.

[ Fig. 6 ]
Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, de Oscar Niemeyer, na Unidade de Vizinhança modelo. Foto das autoras.

[ jan. 2022 ]

remissivos

referências

COSTA, Lucio. L. C.: Brasília foi feita para o homem com fé num Brasil e num mundo melhores. [Entrevista a Claudius S. P. Ceccon]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 8 nov. 1961. [Cópia digitalizada]. Disponível em: https://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/939 | Acesso em: 15 dez. 2021.

COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto de Brasília. Elaborado por ArPDF, CODEPLAN, DePHA. Brasília: GDF, 1991.

COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes; Brasília: Editora UnB,1995.

FERREIRA, Marcílio Mendes; GOROVITZ, Matheus. A invenção da Superquadra. 2.ed. Brasília: IPHAN, 2020. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/ainvencaodasuperquadra2aed.pdf | Acesso em: 15 dez. 2021.

HALL, Peter. Cidades do amanhã: uma história intelectual do planejamento e de projetos urbanos no século XX. Tradução: Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1988.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Superintendência do Iphan no Distrito Federal. Superquadra de Brasília: preservando um lugar de viver. Brasília: IPHAN-DF, 2015. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/cartilha_unidade_vizinhanc%CC%A7a_iphan_df.pdf | Acesso em: 15 dez. 2021.

LE CORBUSIER. A Carta de Atenas. Tradução: Rebeca Scherer. São Paulo: Hucitec; EDUSP, 1993.

MUMFORD, Lewis. The Neighborhood and the Neighborhood Unit. The Town Planning Review, Liverpool, v. 24, v. 4, p. 256-270, Jan., 1954. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/40101548 | Acesso em: 15 dez. 2021.

RODAN, Dinalva Derenzo. Unidade de Vizinhança em suas conexões latino-americanas: a construção do conceito e suas apropriações nas obras de Josep Lluís Sert, Carlos Raúl Villanueva e Affonso Eduardo Reidy entre 1945 e 1958. 2019. 290 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16136/tde-09092019-164932/pt-br.php | Acesso em: 15 dez. 2021.

TAVARES, Jeferson Cristiano. Projetos para Brasília e a cultura urbanística nacional. 2004. 547 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia do Ambiente Construído) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18131/tde-23092008-111353/pt-br.php | Acesso em: 15 dez. 2021.

VASCONCELOS, Larissa Fernandes Lins de. Patrimonialização na Unidade de Vizinhança nº 1. 2013. 89 f. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais com Habilitação em Antropologia) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2013. Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/6730 | Acesso em: 15 dez. 2021.

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